quinta-feira, 19 de junho de 2014

19 DE JUNHO - DUAS BOLAS, DOIS GOLS. LUIS SUÁREZ

Para estufar esse filó como eu sonhei. Só se eu fosse o Rei. Para tirar efeito igual ao jogador. Qual compositor. Para aplicar uma firula exata. Que pintor. Parabéns pelos 70, meu xará Chico Buarque. Nada mais digno que um Uruguai x Inglaterra em Copa do Mundo para te homenagear. O inglês passou a catraca do metrô com bilhete único. Deve ter sido comprado pela prefeitura petista para fazer propaganda. Hello, nice to meet you. Hola, que tal? O trem partiu da estação República no embalo dos cantos dos uruguaios. "Sooooooy Celeste!". Estava cheio, bem cheio. Sem superlotação. Tranquilo para quem encara Sé durante a semana, seis da tarde. Subiu cheiro azedo. Podre. Alguém matou feijoada no almoço. E não fez a digestão direito. Desagradável. Uma senhorinha, uns setenta anos, entra correndo. Abraça os netos. Vó, a senhora vai ver jogo de Copa! O primeiro tempo de Colômbia e Costa do Marfim termina zero a zero. Zona Leste pintada de verde e amarelo. Trinta minutos. Artur Alvim station. Na rampa de saída, um figura segura um cartaz. "Buy tickets". Os ingleses tomaram conta dos bares ao redor. Bebem pouco. Quase nada. Tudo bem sinalizado. Voluntários reforçam o caminho para o estádio. Eu e Luiz Paulo Montes andamos com a massa mais uns trinta minutinhos. Rumo ao setor oeste. Quando chegamos perto, tiro da sacola os sapos que vieram comigo. Para enterrá-los no Itaquerão. O estádio é bonito. Belíssimo. Suntuoso. Caminhos de mármore. A arquibancada provisória é bem provisória mesmo. Tem goteiras. Remendos à vista. O Castelão é mais caldeirão. Encontro um santista com uns três metros de altura por quatro de largura. Verdadeiro armário. "É nóis, peixe. Se precisar de alguma coisa é só me chamar". Estou sossegado. Segurança particular. De respeito. Lugares numerados também respeitados. Visão bacana, ligeiramente prejudicada por uma grade de ferro. Nos lances mais próximos do escanteio, preciso esticar o pescoço. Esforço mínimo para quem está acostumado a ver jogos na Vila Belmiro, onde há festival de pontos cegos. O frio é um capítulo à parte. De rachar. Cortante. Venta. A sensação térmica é de oito graus. Não sinto mais a ponta do nariz. As mãos estão roxas. Mas tem inglês com bermuda e camiseta regata. E uma coleção de copos de cerveja. Deu até para encarar a fila da lanchonete. Sanduíche de peito de peru com coca-cola. Dezoito mangos. DEZOITO. Preço padrão FIFA. Estamos atrás do gol onde Luis Suárez vai resolver o jogo, onde a torcida do Uruguai é maioria. Times em campo. "Soooooooy Celeste! Soooooooy Celeste!". Bom. Temos uma torcida de futebol. Os ingleses respondem e urram. "England"! Bom também. Temos duas torcidas de futebol. A moçada começa a bater os pés no chão. "Está balançando, vai cair". Hinos cantados a plenos pulmões. Os colombianos, que venceram a Costa do Marfim por 2 x 1, já tinham dado mais um show. Quando são os irmãos da América, é espetacular. E é mesmo. Maravilhoso. Brasileiros cantando à capela? É brega. Patriotada. Nelson, por favor, afasta da gente esse complexo de vira-latas. Rooney cobra falta que raspa a trave. Cabeceia bola que bate na quina da trave. Cavani cruza com capricho, gentil. Perfeito. Preciso. Na cabeça de Luis Suárez. Rede. Artilheiro. Que decide. Três degraus acima da gente, um inglês vestido de cavaleiro templário xinga. Mas xinga muito. Falta do uruguaio. Fuck! Juiz não dá lateral para a Inglaterra. Fuck! Bandeira marca impedimento. Fuck! No final do primeiro tempo, ele senta. Abaixa a cabeça. Cruza as mãos, como se estivesse rezando. Protegido pela armadura da fé, parece conversar com deus. Pede gols. Pelo menos dois. Intervalo. Tempo para um xixizinho padrão FIFA. A fila do banheiro foi a maior que pegamos - quinze minutos. Uruguai volta melhor. Perde muitos gols. O templário volta a xingar. Fuck! Fuck! Fuck! Inglaterra equilibra. Toma conta do jogo. Muslera faz milagre. Rooney empata. O templário entra em transe. Grita. Pula. Abraça todos os brasileiros que estavam ao lado dele. Gol! O Santo Graal! Agora ele não pára de gritar "England". Ao lado, o maluco manda: "se terminar empatado, tem prorrogação e pênalti". Falava sério. Ficou decepcionado quando dissemos que não seria bem assim. Na nossa frente, um sósia do português José Mourinho. Acho que vou entrevistá-lo. E mandar o texto para a Folha. E para O Globo. Publicam. Certeza. Ainda que a contragosto, fazendo beicinho, o jornal dos Frias reconheceu hoje que a Copa vai bem, obrigado. "A Copa faz uma semana hoje com uma coleção de pequenos problemas de organização, mas, até esse momento, nada capaz de provocar grandes danos à imagem do país. O bordão "imagina na Copa", repetido antes do Mundial como premonição de uma crise na infraestrutura e de possível fracasso do evento, não se concretizou". Jornais de hoje noticiam também que as Forças Armadas brasileiras negam que abusos tenham ocorrido em instalações militares durante a ditadura. Não foram abusos mesmo. Foram torturas. Assassinatos. Desaparecimentos. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Em campo, o Uruguai renasce. Uma bola estourada por Muslera. O zagueiro inglês salta. Não alcança. Suárez filma o lance. Parte. Ganha na corrida. Balaço de direita. "Soooooooy Celeste"! O artilheiro uruguaio pegou pouquíssimas vezes na bola. Resolveu a parada. O cavaleiro templário desabou. Ficou calado, até o final do jogo. Quando o juiz apitou, a festa uruguaia no gramado e nas arquibancadas foi emocionante. Procurei o templário. Não estava mais lá. Tinha sumido. Naquele setor, era a única cadeira vazia. "Soooooooooy Celeste! Sooooooooy Celeste"!     

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