ERA UMA VEZ A COPA NO BRASIL...
Onze e cinquenta e oito. O site da FIFA pôde finalmente ser acessado. Avisei o grupo. "Entrei". Imediatamente acusei o golpe e fiz a ressalva. "Caí numa tal sala de espera virtual. É assim mesmo?". "Sim,", confirmaram os que já tinha se aventurado a tentar comprar os ingressos para os jogos da Copa. A página da toda-poderosa que manda e desmanda no futebol mundial -e, agora, até mesmo nas minhas poucas horas de sono - era até bastante educada. Agradecia a preferência e o meu desejo de participar de um dos maiores espetáculos do planeta. Avisava que a demanda era grande. Pedia paciência. E perguntava se eu queria ser avisado por um alarme quando fosse finalmente possível disputar os bilhetes que ainda restassem. Cliquei no tal botão sonoro, concordando e solicitando o apito. Não achei bom presságio. Alertar quando der para comprar? Sinal de que a espera seria longa. "Alguém conseguiu?". Ninguém. Todos aguardando confortavelmente na mesma sala de espera. Padrão FIFA. Tudo o que aparecia na tela do computador era uma bolinha que ficava irritantemente girando, girando, girando, girando, girando e girando, sem parar. Quase fui hipnotizado. Era o sono batendo forte mesmo. Liguei a televisão, ao menos para fazer barulho, sei lá, é preciso buscar distração. Porque aquela bolinha maldita em looping era de enlouquecer. Ainda deu tempo de ver metade do segundo tempo de Bósnia 1 x 0 México. Alguém lá no grupo, que teve a mesma ideia televisiva-futebolística, brincou. "A Bósnia vai ser a surpresa da Copa". Se for mesmo, lindo. Porque os bósnios estão no grupo da Argentina. Toda derrota hermana será comemorada. Meia hora. Comecei a desconfiar, levemente, que éramos todos uns trouxas, que jamais conseguiríamos mísero ingresso, nem do setor mais barato. Foi quando começaram a pipocar nas redes as mensagens animadoras. "Sem chances, não há mais entradas para São Paulo e Rio de Janeiro". "Acabou para a abertura". "Só tem para jogo peba". A gente começou a fazer profundas avaliações filosóficas sobre esses informes. Que intenções esconderiam? O amigo virtual estaria falando a verdade? Ou blefando, como num jogo de pôquer, só para derrubar e fazer desistir um potencial adversário que, desanimado, clicaria no "fechar janela"? Bom, mas já é uma da manhã. Esperei até agora. Não vou largar no meio do caminho. A sensação é ambígua mesmo. Como sou amigo do zorro, estou perdendo preciosas horas de sono. Certo. Mas não vai demorar tanto mais. Não é possível. E já que vim até aqui, vou segurar até o final. Me contento com um jogo. Um joguinho em São Paulo. Nem precisa ser a abertura, vá lá. Pode ser Inglaterra x Uruguai. Ou Chile x Holanda. "Só saio daqui com ingresso da abertura", mandou um, fazendo troça lá no grupo. "Senhores, boa sorte. Vou dormir", respondeu outro. Acabou o jogo da Bósnia. Acabou o Sportscenter. Deu tempo de ler trinta páginas do livro. Comi batata cozida cortadinha com azeite e sal. A bolinha da FIFA continua a atormentar meus nervos. "Vou dormir também", sentenciou mais um guerreiro, depois de hora e quarenta de batalha. Veio a raiva. Porque começaram a explodir nas redes babacas mostrando comprovantes impressos dos ingressos e escrevendo 'caraca, véio, fiz a rapa, nem sei o que comprei, fui clicando, tenho um monte de jogos e agora vou revender pelo dobro do preço". Cambistas virtuais. Padrão FIFA, sempre. Eu? Cada vez mais amigo do zorro. Com raiva dessa minha estupidez - mas sem forças ou coragem para refugar. Sei lá, vai que sobra um. Uma hora e cinquenta e cinco minutos depois, o celular registrou a hora, um iluminado do grupo anunciou. "Entrei nos ingressos!". E aí? Sobrou alguma coisa? "Não tem porra nenhuma". Compartilhou a foto das sobras sortidas. Só jogos em Natal, Manaus, Cuiabá. Cidades lindas, legais. Adoraria conhecê-las. Mas falta tempo. E aquele tempo chamado grana também. Diante do argumento irrefutável, das provas cabais, da concretude imagética do desastre, acabei me rendendo. Não havia mais o que fazer. Desliguei o computador. Ajustei o alarme - não o de alerta da FIFA, mas o que me arrancaria da cama. O cretino ainda teve a petulância de lembrar que eu dormiria irrisórias três horas e quarenta e cinco minutos. Deitei. Sem os ingressos para jogos em São Paulo.
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