segunda-feira, 23 de junho de 2014
23 DE JUNHO - O CAI-CAI É ARTILHEIRO DA COPA
“Se você é argentino. Diga lá como é que é. Ter apenas duas Copas. Uma a menos que Pelé”. Aí sim. Mandaram avisar que essa seria a música que daria o tom nas arquibancadas em Brasília, no jogo contra Camarões. Não ouvi. Alguém faltou no ensaio. Ou então, como diria o Mané, estrela solitária, esqueceram de combinar com os torcedores que lá estavam. Ao menos deixaram de lado o meloso “com muito orgulho”. Já estava dando engulhos. Náuseas. O grito que ecoou na arena que leva o nome do gênio das pernas tortas (sim, dona FIFA, Estádio Nacional Mané Garrincha) foi “o campeão voltou”. Melhor. No embalo da galera, a Seleção começou bem. Marcando no campo de ataque. Abriu o placar. Neymar Jr. Empurra mesmo, amigo camaronês. Derruba o moleque em cima dos cinegrafistas. Nas placas. Que ele vai para cima. É assim que ele gosta de jogar. Quantas vezes vi esse filme. O gol acomodou o time. Veio sufoco. Avenida Daniel Alves. Não precisava nem pagar pedágio. Para desespero do Geraldo, que já estava pensando em privatizar por aquelas bandas também. Para aumentar a tarifa. Trânsito livre. Só faltou estender tapete vermelho. Por favor, passem. À vontade. Passaram. Pressionaram. Empataram. No banco de reservas, olhares atônitos. Preocupados. Que sufoco é esse, pai? Não está bom, filho. No meio-de-campo havia um buraco. A Seleção abusou das ligações diretas entre defesa e ataque no primeiro tempo. Balão vai. Balão volta. Lançamentos longos. Irritantes. Até que um deles finalmente deu certo. Água mole... Preciso, David Luis achou Marcelo livre na esquerda. Ao matar, o lateral já fez o passe. O dez entrou na diagonal. Deixou a bola correr. Não tocou nela. Perto da linha da área, cortou o zagueiro, para a direita. Ajeitou, de leve. Mais um toquinho. Sutil. Só para deixar no jeito. Bateu. Rasante. Por baixo das pernas do adversário. No contrapé do goleiro. Caixa. A corrida de braços abertos. O salto para comemorar. Socando o ar, de baixo para cima. Por um trisco de segundo, congelei a imagem. Voltei a fita. O uniforme ficou todo branco. Manto sagrado. O número nas costas era o 11. O palco, o Pacaembu. Arquibancadas laranjas. No dia 22 de junho de 2011. Há três anos. O tri da Libertadores. Neymar Jr. O cai-cai. Que, a cada jogo, cala-cala a boca dos críticos ressentidos. Tubos de gelol a granel. O cara que é só marketing foi decisivo. Disse “se ele não está, eu estou aqui. Vivendo esse momento lindo. Contem comigo”. Assumiu a artilharia do Mundial. A Seleção respirou. E fez, no segundo tempo, sua melhor apresentação até aqui nesta Copa do Mundo. Sem sustos. Tocando bola. Felipão, o que o Fernandinho estava mesmo fazendo no banco? Paulinho, meu caro, te acho baita jogador. Sério mesmo. Queria você no meu time. Mas os ares da Inglaterra não te fizeram bem. Andas triste. Macambúzio. Acabrunhado. Sem confiança. Fernandinho entrou e tomou conta do meio. Deu passe para o terceiro gol. Fred bigodón! . Desencantou. Se o Brasil for campeão, deixo o mesmo bigode. Palavra. O volante do City fez o quarto. Sem teimosias, Scolari. A família é grande. Sempre cabe mais um. Fernandinho ganhou vaga no time titular. Combinado? Sábado, uma da tarde, no Mineirão, contra o Chile. Se o blogueiro mirim do panfleto da Abril passou hoje perto do Itaquerão, teve uma síncope. Era um mar vermelho. Invasão comunista. A revolução em marcha! Chamem os milicos! A CIA! As tropas do general Olímpio Mourão! Calma, Rodriguinho. Eram só os torcedores chilenos. Uns vinte mil. Fazendo ecoar no expresso que leva à ponta da zona leste o “Chi-Chi-Chi-Le-Le-Le”. Dezenove minutos, sem paradas. Luiza já foi cantando junto. Era alegria que não cabia nela. Hoje foi a vez dela estrear em estádios de Copa. Os maravilhosos olhos de jabuticaba procuravam registrar todas as cenas. Para mim, mais uma emoção. O fundão da Copa, cultivado com muito esmero, meses de frilas e de economias, permitiu ver um jogo com cada filho, além dos dois ‘avulsos’. Cruzando a Radial, trombamos com mais dois malucos mandando ver no “vai pra cima deles, Santos!”. Engrossamos o coro. O sujeito não se conteve. “Mais santistas por aqui”. Somos maioria, respondi. La Roja jogou menos do que eu esperava. Apesar do caldeirão que bradava “soy chileno. Esta tarde tenemos que ganhar”. Bem, houve um momento em que pediram Valdivia. Será que passa o Campeonato Brasileiro na terra de Allende e Bachelet? Pai, a Holanda está satisfeita com o empate. Escapa do Brasil. Talvez. Mas Robben é um azougue. Perna esquerda enfeitiçada. Corre mais que o Usain Bolt. Quase marcou o gol da Copa, numa arrancada que começou na intermediária da Holanda. Deixou quatro chilenos a ver caravelas holandesas. Até Mauricio de Nassau tentou pará-lo, só para pedir autógrafo. “É para meu filho. É seu fã”. Foi ignorado pelo carequinha com orelhas de doutor Spock. O camisa 11 seguiu viagem na Star Treck. Bateu cruzado. Passou triscando a trave. Deu passe fenomenal para o segundo gol laranja. Foi o dono do jogo. O chileno que estava na nossa frente não concorda. Para ele, o melhor em campo foi o Vidal. É... mas o volante da Roja não jogou. Tudo bem, o torcedor também não viu a peleja. Dormiu durante noventa minutos. Sono pesado. Só interrompido pela zoação de um corinthiano que, de sacanagem, gritava na orelha do compañero – “gol, de Chile!”. O chileno acordava, assustado. Mirava o placar. Confirmava que não tinha saído gol algum. E voltava a roncar. Encontrei primo no estádio. Encontrei ex-aluna no metrô, na volta. Encontrei colegas professores no mesmo metrô. Pai, adorei. Eu também, Lui. Obrigado. Te amo. Dos nove classificados até aqui, seis são das Américas. Brasil, México, Chile, Colômbia, Costa Rica e Argentina. El condor pasa. Ainda estou tentando ingressos para as oitavas. Aceito doações. Crowdfunding. Venda a preços módicos. Quem sabe. No Rio, Cesar Maia vai com Pezão. Romário, com Lindberg. E eu reclamando aqui em São Paulo. Já preparei as provas substitutivas. Notas devidamente lançadas. Hora do descanso. Preciso me preparar para Itália x Uruguai.
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