terça-feira, 17 de junho de 2014
17 DE JUNHO - FUTEBOL MOLEQUE. SELEÇÃO BUROCRÁTICA
Vai, Chico. Vem tirar a bola de mim. Vem aqui. Olé! Agora eu sou o goleiro. Você chuta. Pode mandar. Vou defender. Tomo distância. Ele toma posição. Ameaço uma vez. Finjo de novo. Ele abre os braços. Passo o pé por cima da bola. Pedalo. Brinco. Dou risada. Ele fica impaciente. Vai logo! Não enrola! Três passos para trás. Começo a correr. Aponto o canto. Dou um toque bem de leve, na esquerda dele, que se atira. Faz a defesa. Rola. Levanta com a bola como se fosse um troféu. Orgulhoso, me encara. Desafia. Viu só? Não disse que eu ia defender? O saguão do primeiro andar da universidade estava quase vazio. Ritmo de férias. Aproveitamos. Fizemos daquele espaço uma muito aconchegante arena. Quase padrão FIFA. Eu e o Henrique, seis anos, filho da professora Claudia. Mandamos ver. Clássico movimentado, disputadíssimo. A pelota era minúscula. Quase bolinha de ping-pong, um pouco mais pesada. Tinha o distintivo do Palmeiras desenhado. Para o menino, era a brazuca oficial. A camisa dele estava molhadinha de suor. Os cabelos loiros estavam desgrenhados. Mãos pretas de tanta sujeira. Felicidade estampada no rosto. Não para, Chico. Estou ganhando. Soltou a bolinha no ar. Meteu o pé nela. Sem deixar cair no chão. Verdadeiro sem-pulo. Que explodiu no ombro de uma mocinha que ousara invadir o campo, sem avisar. A invasora riu. Foi sem querer. Desculpa, moça, mandou o Henrique. E continuou correndo com a redonda. Quando eu tinha a idade dele, também transformava em campo qualquer metro quadrado disponível. Podia ser a sala do apartamento (a janela era o gol). O corredor ao lado da sala de aula. O tanque de areia da escola. Um pedaço da calçada em frente ao prédio. Qualquer coisa que fosse chutável fazia as vezes de bola. Uma tampinha de garrafa. Copinho de danone. Potinho de yakult. Garrafinha de água. Mais resistente, latinha de refrigerante era objeto de máximo desejo. Tínhamos, os boleiros, um compromisso de honra: não pisar nas pelotas improvisadas. Em hipótese alguma. Jamais. Nunquinha. Porque se fossem amassadas, o jogo terminava. Nem pensar. Eram partidas épicas. Memoráveis. Verdadeiras decisões de campeonato. Nervos à flor da pele. Rivalidades. Quem queria perder para a outra classe? Cada racha... As meninas ficavam torcendo. A gente se empolgava. Disputávamos cada bola. Comemorávamos cada gol. O garoto responsável pelo tento da vitória não raro saía carregado. Aplaudido. Herói. Os uniformes sofriam. Terminavam o dia imundos. Rasgados. As mães davam broncas. Homéricas. Assim não dá. Agora vai usar essa camisa até o final do ano. Não vou comprar outra. Azar o seu. Depois, solidárias, adotavam medida de emergência. Mandavam o sapateiro colocar nos joelhos e cotovelos aqueles remendos ovais de couro. Da mesma cor, de preferência. Horrorosos. Mas eficientes. Garantiam sobrevida às calças e blusões. Jogando com o Henrique, voltei aos meus sete, oito anos. A manhã passou mais rápido. Ajudou a descarregar a tensão. Exorcizar demônios. Estava precisando. A bola, essa desde sempre minha amiga de todas as horas. Qualquer que seja o formato dela. O tamanho. O peso. Paixão antiga. Que nasceu quando eu ainda era óvulo e espermatozoide. Um, dois, três. Respira. Concentra. Tem Seleção em campo de novo logo mais. Contra o encardido e bem arrumado México. Segunda rodada do grupo. Valeu, Henrique! Demos boas risadas. Agora preciso ir embora. Chico, outro dia a gente joga de novo? Fechado. E bom jogo do Brasil para você. Era o que sinceramente eu esperava. Mais uma vitória convincente do time de Felipão. Gols. Show de Neymar. Quem sabe até garantíssemos a classificação antecipada. Estava tudo pronto. Castelão lotado. Clima de festa em Fortaleza. A cidade está tomada pelo verde e amarelo. Hino à capela. Apita o árbitro. A bola do Brasil? Não apareceu. Sofremos pressão. Passamos apuros. Erramos passes. Vimos a pelota passar bem perto da trave de Julio Cesar algumas vezes. Fomos burocráticos. Criatividade zero. Improviso menos dez. Não, não falo de arrogância, salto alto. Os jogadores correram. Dividiram, se esforçaram. Mas foi só. A Seleção jogou mal. Verdade que o goleiro mexicano foi um dos destaques da peleja. Salvou uma cabeçada de Neymar em cima da linha, no primeiro tempo. Defendeu cabeçada de Thiago Silva à queima-roupa, finalzinho do jogo. E ainda abafou chute de Neymar, também no segundo tempo. A torcida ficou preocupada. O desempenho dos nossos boleiros ficou bem aquém daquilo que são capazes. Todos? Não. Tiro Luis Gustavo dessa conta. Disputou mais uma partida soberba. Impecável. É discreto. Brilhante. Joga de cabeça erguida. Marca firme, sem fazer falta. Não erra passes. Tem excepcional senso de cobertura. Toma conta de todos os espaços. É um volante clássico, das antigas. Ele foi o ponto fora da curva. Numa rodada que foi, no conjunto, bem modorrenta. A mais fraca até aqui. A Bélgica decepcionou. Bateu cabeça para virar o jogo contra a Argélia. A Rússia começou perdendo. Só conseguiu empatar com a Coreia do Sul. Para além dos gramados, os números são alvissareiros. Em cinco dias, São Paulo recebeu 64 mil turistas. Dez mil deles são estrangeiros. Na véspera da abertura da Copa, duas mil pessoas visitaram o Museu do Futebol. Copa do Mundo é também tempo de saborear as crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Hoje ele escreveu sobre o carinho com que o volante italiano Pirlo trata a gorduchinha. Recomendo. No bolão da família, nenhuma mudança. Terminei a terça-feira na liderança. Daniel continua na parte de cima da tabela, brigando com os grandes. Aflito. Querendo saber os palpites de todos os demais participantes. Aguardo com ansiedade o Espanha x Chile de amanhã. Promete. Imperdível. Primeira surpresa da Copa? Será que o Henrique gostou do jogo do Brasil? Boa noite. Bom descanso.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Teacheeeer, seu blog vai entrar pro meu clipping hahaha Eu trabalho na assessoria da Yakult e você citou Yakult ali em cima hahah thanks (: beijos :*
ResponderExcluir