quarta-feira, 9 de julho de 2014

9 DE JULHO - JUNTANDO OS CACOS

Quando a volta de Vocês Sabem Quem era iminente e os sinais de proximidade da batalha final se acumulavam no embalo dos 'avada kedavra', o professor Alvo Dumbledore lustrava as varinhas mágicas, preparava os feitiços e sabiamente já alertava: "Harry, serão tempos difíceis". A hecatombe vivida ontem no Mineirão mandou recado cristalino como as águas que um dia existiram no sistema Cantareira: se já não estava fácil, o futebol brasileiro vai viver tempos ainda mais difíceis. Conturbados. A ferida está purulenta. Arde. Dói. Sangra. Estamos chafurdando no volume morto. Dumbledore, no entanto, tentou antes de sua morte mostrar a Harry e seus amigos que Lord Voldemort, embora expressão máxima de um mundo triste e obscuro, não andava sozinho. Vivia acompanhado de professores das trevas, dementadores, comensais da morte, bruxos que não sabiam muito bem se estavam lá ou cá, seguidores permeados por dúvidas, agentes dissimulados. Como sou fã confesso do diretor da Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts, nos acertos, desvios e contradições que ele sempre carregou, não esperem de mim porradas nos jogadores. Não vou apontar dedo para culpados. Não vou demonizá-los. Não vou queimar uma geração que, se não é espetacular, é bem boa. Se a ideia é reconstruir, refundar, resgatar o verdadeiro futebol brasileiro, e não só detonar, esse processo passa necessariamente por Thiago Silva, David Luiz, Marcelo, Luis Gustavo, Oscar, Neymar, Willian....Não vou ajudar a forjar novos Barbosas. Ainda no campo, ontem, disposto a terceirizar responsabilidades, Felipão chegou a passar a mão no celular secretíssimo. Fez menção de ligar para o presidente do conselho dos deuses do futebol. Queria espinafrar a divindade, que havia prometido proteção extra para a Seleção Brasileira na semifinal. O gaúcho de bigode recuou quando acessou, via celular, um e-mail que havia chegado do Himalaia. Urgente, cravava a mensagem. Resumidamente, tom lacônico, distante, sem a intimidade verificada em papos anteriores, dizia "nem tente nos culpar. Por sua conta e risco, você resolveu mandar a campo um time que jamais havia treinado junto. Que temeridade. Depois do segundo gol da Alemanha, crônica de uma massacre anunciado, meio de campo completamente entregue aos panzers germânicos, você sentou no banco de reservas. Imóvel. Impávido colosso. De lá só saiu quando o jogo terminou. Converse com o seu amigo Muricy. Pergunte a ele quais as lembranças que tem daquele passeio que levou do Barcelona, quando dirigia o Santos, na final do Mundial Interclubes de 2011. Será que você viu aquela decisão? Será que você acompanhou os jogos da Alemanha nos últimos quatro anos? Vá se catar. É a nossa vez de te mandar para o inferno. Há coisas na vida que são bem mundanas mesmo, resultado de escolhas feitas por seres humanos. Não há como os deuses possamos interferir. Ação e reação. Benevolentes que somos, perdoamos. Mas a bobagem não volta atrás. Só para dar retorno: concluímos a nossa investigação sobre quem daqui de cima poderia ter facilitado a contusão do Neymar. Faço mea culpa. Deuses também falham. Imaginei que pudesse ter sido algum deus milongueiro admirador do futebol argentino, apreciador de um trágico tango, a aprontar estrepolias e facilitar o caminho dos hermanos na final. Nada disso. O que aconteceu naquele final de tarde de sexta-feira foi uma raríssima tempestade de radiação solar,  fenômeno que libera cargas eletromagnéticas muito intensas. A conexão do Himalaia com o mundo profano foi interrompida por alguns breves minutos. Por mais que tentássemos, nossas mandingas não chegavam até vocês. O bloqueio foi muito forte. Foi o tempo suficiente para deixar Neymar com o corpo aberto. Paciência. A mãe natureza é soberana. Contra ela, nem os deuses podemos. Respeitamos. Obedecemos. Bom jogo para você na disputa do terceiro lugar. Abraço e não me liga". Nó na garganta. Ressaca pior que a de mistura de dez caipirinhas com uma dúzia de latinhas de cerveja. Insônia que resistia até mesmo à contagem de carneirinhos. Arrisquei então durante a longuíssima madrugada, ponteiros do relógio que se arrastavam, tentar contato com o presidente do conselho divino. Foi solícito, apesar do adiantado da hora. Deuses não dormem. Consegui entrevistá-lo. Fiquem sossegados - era ele mesmo, não um sósia. Chequei. Não aceitei só cartão de visitas. Pedi até as digitais. Exame de DNA. Pois vossa senhoria, a entidade máxima espiritual da bola, me garantiu que os deuses do ludopédio estão dispostos a generosamente nos oferecer, sem custos adicionais de qualquer espécie, um conjunto de ideias para a refundação do futebol brasileiro. Ele diz que, se os cartolas da CBF tivessem um pingo de vergonha na cara - e ele sabe que não têm -, assinariam ainda hoje contrato com o Guardiola. Renunciariam em seguida. A gente topa? Banca? Vamos encarar de frente e defenestrar a famiglia? Engolir esse orgulhinho besta e infundado, enterrar de vez a tosca aversão a técnicos estrangeiros? Vai ver a gente merece mesmo o Del Nero sucedendo o Marin. O opositor era o Andres Sanchez. Corram para as montanhas. Tite vem aí. Novo salvador da pátria. Cordeirinho. 1 x 0 é goleada. O Gallo, quem sabe. É queridinho do esquemão. O pofexô Vanderley está livre, leve e solto, sem compromissos, é sempre uma opção para comandar poxetos mirabolantes. Que tal o Muricybol? Tudo mais do mesmo. Meu interlocutor lembrou que, após a Copa, o Brasil faz amistoso no dia 5 de setembro, provavelmente contra a Colômbia, enfrentando o Equador quatro dias depois. Sabem onde? Nova Jersei, Estados Unidos. São esses os vínculos que desejam estabelecer com a torcida? Pois, sugere, que se jogue numa dessas tantas arenas que foram construídas para a Copa. Uma peleja em Manaus, outra em Curitiba. Para começar. A partir daí, uma partida por mês, viajando pelos quatro cantos desse país. Para que entre em campo não só a Seleção Brasileira. Mas a Seleção do Brasil. Ingressos a preços populares. Sem precisar pedir ajuda para os Lamines Fofanas ou Raymonds Whelans da vida. Para lotar os estádios. Voltar a ter o futebol como símbolo da nossa cultura, expressão da vontade do povo, pelo povo, para o povo. Retomarei esse assunto, nas crônicas derradeiras desta Copa. Treinamento vai ser prioridade. Não só nos jogos. Um time competente e vencedor é bem mais que um agrupamento de jogadores com boas intenções. Motivar é preciso - treinar é imprescindível. Em sua estadia no Brasil, para a disputa da Copa, a Alemanha teve só um dia de folga. Precisa desenhar? Intercâmbios. Viagens. Estudos. Táticas. Esquemas alternativos. O calendário será reformulado. Clubes com dívidas serão proibidos de participar de competições oficiais. Todos os times deverão ter sempre em campo ao menos três jogadores com entre 18 e 20 anos, formados nas categorias de base. Novos talentos. Sem apelação. Bônus e recompensas polpudas para quem revelar armadores, não só volantes. Em busca daquele clássico camisa 10 que tanto nos fez falta nesse Mundial. Uma Liga, para além dos desmandos da CBF, será responsável por organizar as competições. O vespeiro de contratos de exibição de jogos será revirado do avesso. Caixa preta. Sem monopólios. A viabilizar horários sensatos de início das partidas - e não "bem amigos da Rede Globo" só depois do final do capítulo da novela. Um jogo não pode acabar quando a torcida já não tem mais metrô ou ônibus para retornar para casa. Bom Senso Futebol Clube. Reviravolta nas estruturas e métodos. Revolução de mentalidades. Entranhas. Humildade. Gostei do que o presidente do conselho dos deuses me disse. Vamos pensar juntos? Convite feito. O futebol brasileiro - aquele que ficou perdido em algum lugar do passado - agradece. Mirem-se no exemplo daqueles boleiros de Berlim. De minha parte, vaias em alto e bom som para os que queimaram a bandeira do Brasil na Vila Madalena. Vocês são lamentáveis. Vaias ainda mais fortes para os que usam o tsunami do Mineirão para comemorar suposta vitória do país da honestidade e do trabalho sério contra o país do jeitinho, da vagabundagem e das bolsas para meliantes. Vocês são crápulas. Sanguessugas. Vaias múltiplas para os que escrevem desbragadamente nas redes sociais que o governo da Dilma é tão incompetente que gastou bilhões de dólares para ter a Copa, e a Seleção não foi nem capaz de ganhar a taça. Culpa da Dilma, óbvio. Como queriam demonstrar. Aliás, esperem aí um segundinho, deixem ver se entendi. Queriam então que o Brasil, por ser sede, comprasse mesmo a Copa? Oras, mas não eram vocês, arautos da ética, exemplos de conduta ilibada, com muito orgulho e com muito amor, que batiam no peito para condenar o torneio que já tinha sido comprado pelo Brasil? E agora vêm a público para lamentar que tudo não estivesse mesmo previamente arranjado? Compra ou não compra? Que contradição é essa? Decidam-se, por gentileza. Querem saber? Vocês são hipócritas. Heróis sem nenhum caráter. Por fim, vaias ensurdecedoras para quem comemora a derrota da Seleção, acreditando que por conta dela poderá colher dividendos eleitorais. Vocês são desprezíveis. Imagine na Olimpíada. Imagine na próxima Copa no Brasil. Ronaldo, o Oportunista, o Klose te manda 16 abraços. Quem foi o mané que disse que a Copa acabou ontem? Acabei de ver Argentina e Holanda comendo pipoca. No sábado, vou torcer para o Brasil beliscar o terceiro lugar. E no domingo tem os hermanos, que jogam a vida por uma bola de Messi, o gênio, contra o timaço da Alemanha. Imperdível.             

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