Quando
o árbitro apitou o fim do jogo, Alejandro Sabella, técnico da Argentina, olhou
para Joachim Löw, treinador da Alemanha, e deixou escapar um sonoro "que
meleca!". Tensão para mais de cem minutos. Schürrle arranca pela esquerda.
Rente à linha lateral. Deixa o marcador argentino para trás. Eu levanto da
cadeira. O atacante alemão olha para o meio da área. Percebe a jogada. Cruza.
Götze mata no peito estufado. A bola vai caindo mansinha. Já estou quase dentro
da televisão. O camisa 19 bate com a perna esquerda esticada. Chute cruzado,
colocado, maroto, canto esquerdo do goleiro. Puffff. Fim da invencibilidade do arqueiro Romero. Oito minutos do segundo tempo da prorrogação. A maioria da
torcida explode no Maracanã. Angela Merkel aplaude nas tribunas do estádio. Os
índios pataxós comemoram em Santa Cruz de Cabrália. Berlim e Munique pulam e
começam a festa. Eu grito pela janela da casa dos meus pais. Alemanha campeã do
mundo. Tetracampeã. Teve até dança indígena e pajelança no círculo central do
templo do futebol mundial. Merecido. Quando a presidenta Dilma entregou a taça, vi de relance, bem rapidinho, atrás do ombro dela, o presidente do conselho dos deuses do futebol. Estava feliz. Fez sinal de positivo. Justiça divina. Desapareceu sem deixar rastros. Torci. Não escondi. Sem ódios. Sem
desprezar infinitas afinidades e canções latino-americanas. Adoro e respeito
profundamente a Argentina. O povo argentino. Mas, porém, contudo, entretanto,
todavia, não obstante... Que me desculpem os hermanos, como já escrevi por
aqui, mas torcer na final pela Alemanha era fundamental. Rivalidades
futebolísticas que movem boleiros. A Argentina foi guerreira, taticamente quase
perfeita. Defesa muito bem montada, fechando espaços, ocupando o meio. Viu como
funciona, Felipão? Jogaram por uma bola. Um lampejo de genialidade de Messi,
quem sabe. Tiveram chances. Três - com o camisa 10, com Higuaín e com Agüero.
Desperdiçaram. Paciência. Venceu o melhor. Levou a taça quem esteve se preparando
para essa Copa pelo menos desde 2002. Projeto de longo prazo. Oxigênio renovado
de cabeças e mentalidades. Estilo de jogo. Treinamento. Pararam em duas
semifinais nos últimos dois Mundiais. Beliscaram o terceiro lugar em ambos.
Estava na hora. Um brinde ao futebol da Seleção da Alemanha, capaz de resgatar
a arte do toque de bola para combiná-la com a eficiência de um esquema tático
moderno. Os germânicos atuaram embalados pelas defesas de Neuer, o melhor
goleiro do planeta bola. A versatilidade de Lahm. A exuberância técnica de
Boateng - que partida fez esse príncipe negro hoje. Schweinsteiger foi boleiro incansável, presente em todos os cantos do campo. Kröos é um senhor
maestro, a reger a orquestra. Na frente, Klose e Müller têm faro de gol. E
Götze foi iluminado. Como é só futebol, tudo é brincadeira, tenho certeza que
os argentinos, mesmo amuados, vão levar na boa. Até porque entoaram a canção
nas arquibancadas de todos os estádios por onde passaram. Aprendemos. Reinventamos. Sei lá, não me
sai da cabeça essa nova versão. Ando pela sala de casa a cantá-la. Argentina,
me diz como se sente. Ver de longe cinco estrelas a brilhar. Te juro, ainda que
os anos passem. Você nunca vai me alcançar. Cinco Copas, só eu tenho. E sem
trapacear. Mi 'papá' não se dopou para jogar. Uma coisa mais te digo. Pra nunca
mais esquecer. O Pelé tem mais Copas que você! Tudo na paz. Só sarro. Na boa. Lamento. Aqui, não. Mais quatro anos na fila. Pelo menos. Pai, todas as seleções
sul-americanas jogaram no Maracanã. Menos o Brasil. Sábio Daniel. Pois é. Felipão insiste em ser
personagem de realidade paralela. Saga trágica e cômica. A gente chora e ri. De
raiva. Usa a piada para processar a dor. É deprimente ver o treinador num
tal vídeo que teria sido vazado por sabe-se lá quem. As imagens mostram o
técnico da Seleção mais uma vez insistindo na ladainha do fizemos nosso papel e
vivemos seis minutos de pane. Armação pura. Felipão gosta bem delas. Aposta
nelas. A CBF é também mestra nessas arapucas. Tudo de caso pensado. Showzinho
estapafúrdio. Recusamos o papel de bobos da corte. Na coletiva de ontem, após a
derrota para a Holanda, o treinador escorregou perigosamente no exercício do
mau-caratismo. A empáfia e a arrogância atingiram níveis insuportáveis.
Recusa-se terminantemente a assumir os erros. Hora de pedir o boné. Reconheço
virtudes do Felipão. Mas parou no tempo. Só para lembrar: jabuti não sabe subir
na árvore. Quando chega ao topo, é porque alguém o colocou lá. Estrutura. Tem
algo maior, chamado Confederação Brasileira de Futebol, entidade autoritária e
intocável. É mais do que tempo de defenestrar essa corja. Não é por seis minutos. É por dignidade. História. É preciso condenar também com
veemência o que aconteceu hoje no Rio de Janeiro, fora do estádio. Não há democracia com prisões arbitrárias. Não há
democracia que possa conviver com proibição de manifestações e protestos. Basta. Basta. Não
tem mais relato? Acabou? Sério? Foi maravilhoso enquanto durou. Vou sentir saudade.
Nasceu como quem nada queria. Prosperou, abraçado pela generosidade dos amigos
leitores. A minha Copa do Mundo. Singular. Sonho de criança. Vivido intensamente, muito de perto, espaços variados. Personagens múltiplos. A nossa Copa do Mundo. Foram trinta e cinco textos. São
falas de um torcedor. Nada de especialista. Nem tenho cacife para tanto.
Naveguei nos mares de fortes emoções. Fotografei, com palavras, momentos
inesquecíveis. Como dizia Nelson Rodrigues, sem paixão não se chupa nem um
chicabon. Há erros e acertos. Para todos os lados. Contradições? Muitas. Lá e cá, aqui e acolá.
Sempre. Que bom. Somos todos humanos. O mais bacana foi ter a companhia de vocês. A gente se vê na
Rússia, em 2018.
Valeu Chicão! Esperamos seus textos sobre a Rússia. Quem sabe não conseguimos cobrir alguma partida ao vivo? Seria um sonho. Abraço! Ussit.
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