sexta-feira, 4 de julho de 2014

4 DE JULHO - FUTEBOL DE RITUAIS. NEYMAR, MOLEQUE... OBRIGADO!

Sai da cama apoiando no chão primeiro o pé direito. Abre a janela. Caminha lentamente. Abre o armário. Com a mão direita. Tira a camisa amarela da gaveta. Com muito cuidado. Reverência. É a de todos os jogos. A da sorte. Estica o manto na cama, escudo à mostra. Não pode ficar um amassadinho. Impecável. Um beijo em cada estrela. São cinco. Por enquanto. Toma café na caneca do Santos. Liga o computador. Breve passeada nas redes sociais. Senta para ler os jornais. Primeiro os cadernos de Esportes. Antes ainda a crônica do Veríssimo. Na sequência, nessa ordem, colunas do Paulo Vinicius Coelho, do Juca Kfouri, do Antero Greco. Como nos outros jogos. Liga a televisão. ESPN Brasil. Não mudem de canal. Senta na ponta esquerda do sofá. Lugar cativo. Sportscenter. Bate-Bola. Contas a pagar. Na volta do banco - foi com o uniforme reserva -, passa no mercado. Cervejas geladas. Skol. Sorte. Faz a barba. Estava sem nos outros jogos. Chuveirada. Lembra da vitória contra os Estados Unidos, na campanha de 1994, num 4 de julho. Tetra. Começa a ficar mais quieto. Passa a ouvir quase nada. Veste cuidadosamente a amarelinha que tinha sido preparada com tanto esmero. Não pode amassar. Começa a disparar mensagens via celular. Corrente positiva. Jogo da França. Da Alemanha. Pré-jogo. Batimentos cardíacos começam a acelerar. Concentra. Silêncio. Anda pela casa. Da sala para o quarto. Do quarto para a sala. Para a cozinha. Para a sala. Para o quarto. Começa tudo de novo. O mesmo percurso. Dezenas de vezes. Os meninos só observam. Quando passa pelo corredor, na ida, olha o nome de cada livro, na prateleira das biografias. Na volta, olha o nome de cada livro, na prateleira dos romances. Três coçadinhas na mini-réplica da Taça Libertadores. Segura firme a miniatura do Cavaleiro da Triste Figura. Dom Quixote. Funciona sempre. Agora está mudo. Transe. Já não ouve mais. Demora a entender o que os filhos estão dizendo. As vozes estão distantes. Emboladas. Mira fixamente a televisão. Não vê homens voando. Nem com rabos. Na escalação da Colômbia, não há Buendías. Nada de realismo fantástico. Quatro e meia. Em ponto. No relógio de pulso, que é o que vale. Mensagens para a esposa, para os irmãos, para os pais, para os amigos mais próximos. Bom jogo. Vai, Brasil! É o que escreve desde a estreia contra a Croácia. Já está gravado. Desliga o computador. Fecha a porta da sala-corredor. Abre a primeira cerveja. Fecha a porta da cozinha. Assume de novo o posto que lhe cabe na Arena da Sala dos Marconi Bicudo. Extrema esquerda. Luiza ao lado direito. Daniel no chão, apoiado na almofada. No banco de madeira, bem ao alcance da mão esquerda, coloca a latinha de Skol. O celular vai para o modo silencioso. Aparelho apoiado no braço do sofá, na diagonal. Sobe o som da TV. Times em campo. Respira fundo. De novo. Mais uma vez. Mão direita no escudo da camisa da sorte. Tem uma outra, branca, verde e amarela, que está na casa dos pais. Para marcar presença lá também. Sorte. O árbitro apita o começo do jogo. Três batidas na parte de trás do controle remoto, apertado na mão direita. Será assim durante toda a partida. Beijo na cabeça do Daniel. Bom jogo para a gente, filho. Beijo na cabeça e na mão direita da Luiza. Abraço apertado. Bom jogo para a gente, filha. Explosão de alegria no gol do Thiago Silva. Poropopó na sala. Risos. Capitão, pode chorar. Os abutres acabaram de se esconder. Aqui é Brasil. Aqui é Brasil. Abre a segunda cerveja. A latinha fica no mesmo lugar. Primeiro tempo sob controle. Bem diferente do jogo contra o Chile. Pombo sem asa do David Luiz. Quase uma folha seca. Pode pular de novo, Ospina. Não vai alcançar. Relaxou. Só um pouquinho. Nem deu tempo. Pênalti. Foi mesmo. Gol da Colômbia. Batimentos cardíacos voltam a subir. Tensão máxima. Não consegue mais ficar sentado. Virou arquibancada da Vila Belmiro. Sai, sai, sai. Tira essa bola. Opa, impedimento. É nossa. Olha a entrada criminosa no Neymar! Não deu nem amarelo. Machucou, quebrou mesmo. Juiz, você não deu nem amarelo? O que é isso? Marca, não deixa passar. Junta de novo. Olha o meio. O meio. Tem que ser nosso. Sem estourão. Vamos trocar passes. Não dá bicão! O controle remoto não sai da mão direita. Cinco minutos de acréscimo. Está quase dentro do aparelho de televisão. Acaba. Apita. Chega. Já deu. Isso, segura a bola aí, na bandeirinha de escanteio. Não sai daí. Cava a falta. Tem de acabar aí. Acabou! Acabou! Semi-final! Sai correndo. Os meninos saem correndo. O telefone começa a tocar. O celular começa a vibrar. Gritos na janela. Buzinas. Fogos. Cornetas. Abraços, muitos abraços nos filhos, que choram. Terça-feira vai ser assim. Tudo de novo. Alemanha. Futebol de rituais. Cabeça e corpo voltando ao normal. Vou lá tirar a amarelinha da sorte e descansar. Os deuses do futebol mandaram avisar que não vai ser fácil. E foi até agora? Neymar, moleque. Quando você caiu, pulei. Gritei daqui. Saquei na hora que era sério. Te conheço. Você não foge de jogo. Nunca tinha te visto chorar daquele jeito. Você é craque. Gênio. Fica bem. Se cuida. E muito, muito obrigado.      

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