sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

DILMA NÃO É LULA? CLARO QUE NÃO!

Parece que está a se espraiar uma nova obsessão discursiva dos nossos jornalões e emissoras de televisão, um mantra que vem sendo recitado à exaustão, ainda antes do início do novo governo, mas com sonoridade e volume mais intensos a partir da posse: "Dilma não é Lula".

Um dos pontos centrais de comparação e apoio dessa estratégia política midiática (sim, é disso que se trata) foram os próprios discursos de posses: o de Lula, emotivo, tocando o coração do povo; o de Dilma, técnico e burocrático, sem gosto e sem cheiro, sem apelo popular. Na primeira semana de trabalho da Presidenta, marcação cerrada da mídia. Dilma, ao contrário de Lula, exige pontualidade, faz reuniões objetivas, define tarefas e cobra responsabilidades. Solicitou inclusive que, na sala onde se reúne com os ministros no Planalto, fosse instalado um relógio de parede, a lembrar permanentemente a todos os presentes a passagem de tempo.

Aliás, sem perder tempo, Dilma teria mandado tirar de seu ambiente de trabalho um exemplar da Bíblia e um crucifixo, objetos que teriam feito parte da rotina de Lula (a informação não demorou a ser desmentida pela Ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação Social, via twitter). Sobre a tragédia provocada pelas chuvas (e pela inércia e irresponsabilidade dos governos locais) no Rio de Janeiro e a respeito da visita da Presidenta às áreas atingidas, Eliane Cantanhêde escreveu na Folha de hoje (disponível para assinantes) que "ao ir pessoalmente à região serrana do Rio de Janeiro ontem, a presidente Dilma Rousseff fez o que governantes têm de fazer. Dilma não titubeou e mostrou que não vai ser igual nem fazer tudo igual ao antecessor e mentor Luiz Inácio Lula da Silva, que, numa situação assim, ouvia, fazia cálculo político, avaliava perdas e ganhos. Às vezes ia logo; às vezes, não". Mais uma vez, na leitura feita pela mídia, Dilma não fez como Lula teria feito.

Bem, mas então Dilma não é Lula? Claro que não! Os dois obviamente carregam estilos diferentes de administração. O que não significa - longe disso - que representem projetos antagônicos, uma ruptura. A dinâmica é de continuidade, de apostas e ações comuns, mas naturalmente com marcas explícitas e intensas de singularidades e com visões de mundo independentes. Os dois têm suas virtudes - e seus defeitos. Não vivemos o tal do terceiro mandato (o "poste" que a mídia tentou criar ainda vai surpreender muita gente). Mas obviamente não falamos de um governo de oposição ao anterior.

O importante a pensar é: por que raios então a mídia limpinha tem insistido tanto nesse mantra, no "Dilma não é Lula", seja explicitamente, seja nas entrelinhas? Penso que as repostas estão conectadas a dois movimentos precisos, com objetivos bem delineados. 

Primeiro: o que se quer é isolar Dilma e impedir que Lula possa servir como escudo de proteção da nova administração, se e quando for necessário, simulando (falsos) atritos e divergências entre os dois líderes, tornando finalmente a Presidenta uma presa mais frágil e fácil para movimentos futuros. Note-se que, para tanto, a mídia tem inclusive se manifestado disposta a pontualmente tapar o nariz e "elogiar" Dilma, como fez Cantanhêde ("Dilma fez o que governantes têm de fazer, não titubeou..."). 

Atenção, os elogios não são gratuitos, e estão diretamente conectados ao segundo movimento: desconstruir a imagem de Lula e esvaziar o ex-presidente, pelo menos em parte, do extraordinário capital político e de popularidade que conseguiu acumular durante os oito anos de mandato. Para tanto, é preciso apresentá-lo como preguiçoso, desleixado, não afeito a regras e horários, um sujeito que "deixou a vida levá-lo, o barco correr", acabou encontrando uma conjuntura favorável, soube se comunicar com as massas e, mais por sorte do que por competência e dedicação política, terminou fazendo um bom governo. Ao elogiar Dilma, tentam desqualificar Lula, por oposição. 

Juntemos as duas pontas: Dilma isolada e fragilizada + Lula com sua imagem abalada = espaço aberto para candidatura oposicionista com mais chances de sucesso em 2014. É isso. Essa é a equação que a mídia tenta construir. Se vai dar certo, se vão ao final conseguir escrever o "como queríamos demonstrar" (cqd), são outros quinhentos. Como diria Garrincha, falta combinar com os russos... Mas o fato é que a sucessão presidencial já começou, com quatro anos de antecedência. Quem se recorda da eleição de 1989 vai se lembrar também que o "caçador de marajás" não surgiu repentinamente, às vésperas do pleito. 

Salvo acidentes de percurso, vem aí Aécio Neves. É o mineiro bom de papo, moderno, conciliador e sobretudo bom gestor, a encarnar o tão desejado "pós-Lula". Já recebeu até as bençãos e o sinal verde de FHC, que afirmou que "o bonde andou e será a vez de Aécio". 

Com outras palavras, já escrevi aqui: oposição no Brasil não é feita atualmente no Congresso Nacional, mas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, na Barão de Limeira, na Engenheiro Caetano Álvares e na Marginal Pinheiros, em São Paulo...    

2 comentários:

  1. Fica mais clara a necessidade de termos veículos de comunicação à esquerda. Como na França, por exemplo. Para equilibrar as informações e os discursos prós e contra, que envolvem diversos assuntos.
    Vejo a FOLHA criticar em algumas linhas o atual presidente do Senado, enquanto ao mesmo tempo da a ele uma coluna semanal.
    Temos que esperar e torcer para que Odin interceda por nós.

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  2. Fico aliviada por Dilma nao ser Lula. Primeiro por nao ser mesmo, segundo, por a midia peceber e avisar isso. Dilma nao ser Lula significa que o projeto podera continuar sem a figura Lulista (que pode ser um pepinao sob alguns aspectos). Bom tambem porque o que foi conjuntural sob Lula pode vira ser estrutural sob Dilma. E bom, finalmente, porque a imprensa vai ter de se reinventar, fazer diferente, aprender a bater, criticar e quiça noticiar de um jeito novo.... Vamos que vamos. Parabens pela analise, Chico Bicudo!

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