Nas leituras preparatórias para as aulas de "Jornalismo Científico", que recomeçam em breve, acabei retomando reportagem de capa publicada pela revista Época sobre o caso de Timothy Brown, norte-americano que se curou da aids. Para incentivar a discussão por aqui, recuperei, juntei e ampliei mensagens que postei no twitter, em dezembro passado.
Imagino que, em função dos enigmas e dos desafios que a aids coloca para as comunidades científicas brasileira e internacional (não foi possível ainda por exemplo chegar a uma vacina) e do alcance da epidemia mundial (atualmente, são cerca de 33 milhões de pessoas infectadas pelo vírus em todo mundo, segundo dados da Unaids), o "caso Timothy" deverá provocar bons debates e ajudar a levantar muitas dúvidas em sala de aula.
Antes de mais nada, é preciso dizer que a cura do norte-americano representa uma conquista especialíssima, um episódio isolado, que está longe, muito longe de poder significar a cura para os milhões de infectados pelo HIV. Durante o tratamento, e por conta do acompanhamento médico, Tim, além da aids, descobriu que tinha leucemia. Precisava passar por transplante de medula. Aí é que entra a exceção da exceção: cientistas conseguiram encontrar um doador de medula "dois em um", que era não só geneticamente compatível (o que já não é tarefa simples), mas que também apresentava uma mutação genética raríssima nas células de defesa - a ausência de moléculas chamadas de CCR5.
Essa mutação impede que o HIV ataque, "grude", invada e destrua as células de defesa. Ou seja, com a mutação, e sem as moléculas CCR5, desliga-se a chave que garante ao vírus devastar o sistema imunológico. Assim, a pessoa pode conviver com o HIV, sem jamais desenvolver a doença. Foi isso mesmo que escrevi: a pessoa pode ter o vírus, mas não ter aids. É uma situação de estranha harmonia, que a ciência sabe que é possível, mas que ainda não consegue explicar. E por que pouquíssimas pessoas têm células com resistência? Também não há respostas. O fato é que, graças ao transplante, Tim conseguiu "importar" essa vantagem comparativa.
Por isso é que as repórteres Cristiane Segatto e Marcela Buscato, com muita responsabilidade e cuidado, escrevem na matéria que "o caso de Tim é extraordinário em dois sentidos da palavra: é notável e raro. Raríssimo. Sua recuperação se deve a uma conjunção improvável de condições favoráveis. É algo que não pode ser reproduzido em larga escala". Portanto, alertam as autoras do texto, "o caso de Tim não representa a esperada cura da aids".
As ressalvas e ponderações, muito bem colocadas, não tiram no entanto a importância do feito científico. Os estudos e investigações que virão sobre a recuperação de Tim devem sugerir novas estratégias de combate à doença. Tais investigações poderão "revitalizar a pesquisa com objetivo ambicioso de curar a doença", como também e tão bem destacam as repórteres.
Como se vê, cada avanço consagrado pelas pesquisas levanta inúmeras outras dúvidas e questões, numa aventura de curiosidades que ajuda a compor uma sucessão de verdades provisórias. Eis a beleza da narrativa científica.
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