quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

UM CASO EXTRAORDINÁRIO DE CURA DA AIDS

Nas leituras preparatórias para as aulas de "Jornalismo Científico", que recomeçam em breve, acabei retomando reportagem de capa publicada pela revista Época sobre o caso de Timothy Brown, norte-americano que se curou da aids. Para incentivar a discussão por aqui, recuperei, juntei e ampliei mensagens que postei no twitter, em dezembro passado.

Imagino que, em função dos enigmas e dos desafios que a aids coloca para as comunidades científicas brasileira e internacional (não foi possível ainda por exemplo chegar a uma vacina) e do alcance da epidemia mundial (atualmente, são cerca de 33 milhões de pessoas infectadas pelo vírus em todo mundo, segundo dados da Unaids), o "caso Timothy" deverá provocar bons debates e ajudar a levantar muitas dúvidas em sala de aula.

Antes de mais nada, é preciso dizer que a cura do norte-americano representa uma conquista especialíssima, um episódio isolado, que está longe, muito longe de poder significar a cura para os milhões de infectados pelo HIV. Durante o tratamento, e por conta do acompanhamento médico, Tim, além da aids, descobriu que tinha leucemia. Precisava passar por transplante de medula. Aí é que entra a exceção da exceção: cientistas conseguiram encontrar um doador de medula "dois em um", que era não só geneticamente compatível (o que já não é tarefa simples), mas que também apresentava uma mutação genética raríssima nas células de defesa - a ausência de moléculas chamadas de CCR5.

Essa mutação impede que o HIV ataque, "grude", invada e destrua as células de defesa. Ou seja, com a mutação, e sem as moléculas CCR5, desliga-se a chave que garante ao vírus devastar o sistema imunológico. Assim, a pessoa pode conviver com o HIV, sem jamais desenvolver a doença. Foi isso mesmo que escrevi: a pessoa pode ter o vírus, mas não ter aids. É uma situação de estranha harmonia, que a ciência sabe que é possível, mas que ainda não consegue explicar. E por que pouquíssimas pessoas têm células com resistência? Também não há respostas. O fato é que, graças ao transplante, Tim conseguiu "importar" essa vantagem comparativa.

Por isso é que as repórteres Cristiane Segatto e Marcela Buscato, com muita responsabilidade e cuidado, escrevem na matéria que "o caso de Tim é extraordinário em dois sentidos da palavra: é notável e raro. Raríssimo. Sua recuperação se deve a uma conjunção improvável de condições favoráveis. É algo que não pode ser reproduzido em larga escala". Portanto, alertam as autoras do texto, "o caso de Tim não representa a esperada cura da aids". 

As ressalvas e ponderações, muito bem colocadas, não tiram no entanto a importância do feito científico. Os estudos e investigações que virão sobre a recuperação de Tim devem sugerir novas estratégias de combate à doença. Tais investigações poderão "revitalizar a pesquisa com objetivo ambicioso de curar a doença", como também e tão bem destacam as repórteres.

Como se vê, cada avanço consagrado pelas pesquisas levanta inúmeras outras dúvidas e questões, numa aventura de curiosidades que ajuda a compor uma sucessão de verdades provisórias. Eis a beleza da narrativa científica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário