quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

QUEM FAZ OPOSIÇÃO NO BRASIL?

Depois de mais de uma semana buscando as notícias na internet, por absoluta falta de acesso aos impressos, abro a porta de casa logo cedo ainda sonado para pegar os jornais do dia e... dúvida e surpresa: será que recebi dois exemplares do mesmo periódico?

Insisti na leitura. Manchete principal da primeira página da Folha de São Paulo: "PMDB usa salário mínimo para obter cargo; Dilma reage". Manchete principal da primeira página do Estadão: "PMDB usa alta do salário mínimo para retaliar Dilma". Trecho inicial do texto da Folha : "O PMDB, em disputa com o PT pelos cargos considerados estratégicos no segundo escalão, lançou a primeira ameaça ao governo Dilma Rousseff. O partido prometeu atuar no Congresso Nacional por um salário mínimo superior aos R$ 540 fixados pela equipe econômica". Trecho inicial do texto do Estadão: "Insatisfeitos com os avanços do PT sobre os cargos do segundo escalão antes controlados pelo partido, o PMDB anunciou que iniciará a retaliação pelo novo salário mínimo. O governo quer mantê-lo em R$ 540; o PMDB quer R$ 560, ameaçando logo no início do governo a política de austeridade fiscal de Dilma Rousseff". Na Folha, ainda como destaque, na metade superior esquerda, uma grande foto (embaixada do Brasil em Roma em evidência) das manifestações feitas na Itália contra a não extradição de Cesare Battisti; no Estadão, novamente como destaque, na metade superior direita, uma grande foto do mesmo evento (o pano de fundo é o prédio da embaixada brasileira em Roma), com o título "Battisti: Brasil é alvo de protesto".

Fiquei intrigado: teriam as edições dos dois jornais sido fechadas pela mesma pessoa? As redações se falaram durante o dia ou ao final dos expedientes na segunda-feira e deixaram escapar os destaques antes dos fechamentos? Se sim, por quê? Quem teriam sido os Assanges ou WikiLeaks, a vazar informações estratégicas e confidenciais? Estariam os jornais vivendo crises agudas de criatividade, apostando nas mesmíssimas agendas e enfoques? Ou as semelhanças teriam sido mesmo meras coincidências, obras do acaso?

Não há dúvidas: jornalisticamente, levando em consideração todos os critérios que aprendemos desde o curso superior, os dois fatos devem ser tratados como notícias, merecem reverberação pública. Não se deve brigar com os fatos. Há trombadas e umbigadas entre PT e PMDB na formação do segundo escalão (desde a montagem do ministério, para ser mais preciso). Não é por acaso que o partido presidido pelo vice-presidente da República está no poder desde a redemocratização do Brasil. Sabe barganhar, ameaçar, trucar, blefar, mostrar as garras, disputar e ocupar espaços. O PT não é mais santo ou ingênuo nessa briga - tem suas artimanhas e orgulha-se de um governo que é de coalizão, mas na "hora H" tem uma resistência danada em dividir responsabilidades/poder e vez ou outra ainda escorrega na perigosa (e superada) perspectiva de imaginar que tem em suas fileiras todos os "puros", enquanto os "maus" estariam sempre em outra agremiações.

Aliás, cá entre nós, justamente por conta da complexidade dos cenários, certamente os dois episódios em questão mereceriam tratamento mais apurado e qualificado das coberturas jornalísticas (o salário mínimo como efetiva ação de política pública que interfere profundamente na vida de milhões de brasileiros e o caso Battisti como muito mais do que um Fla x Flu dominical). Mais do que isso: o que efetivamente deve ser questionado são os tons dos discursos (há quase uma efusiva e entusiasmada comemoração midiática em função dos nós não desatados, nas duas situações), as motivações e intencionalidades (formar e fazer pensar ou jogar lenha na fogueira das vaidades?), as mensagens implícitas ou nem tanto (jornalismo ou ação partidária?).

Superada a pertinência dos critérios jornalísticos, e afastando de cena ironias e teorias da conspiração, parece que se acumulam evidências curiosas de uma aproximação movida por afinidades e interesses, ainda que pontual, em função do momento histórico, envolvendo dois gigantes concorrentes mercadológicos (Folha e Estadão). Tal sintonia obviamente não impede que continuem se comportando como ferrenhos adversários em outras estradas (estamos falando de empresas rivais, certo?). Os tais interesses comuns, penso, estão relacionados fundamentalmente com dois propósitos principais. Em primeiro lugar, o desejo de patrocinar a rápida desconstrução da imagem da presidenta Dilma, já no início de mandato, para vendê-la à população como uma "governante despreparada, fraca, refém das disputas políticas da própria base governista, que não consegue sequer lidar com choques palacianos e que fica inerte e aparvalhada diante do fogo amigo". A pauta do salário mínimo serve como uma luva a essa motivação. Além disso, dedicam-se a procurar afastar, também sem perder tempo, a figura da presidenta dos feitos consagrados pelo antecessor dela, o presidente Lula. Imaginam que, ao ser isolada, Dilma não poderá aproveitar o capital político oferecido pela popularidade recorde alcançada pelo ex-presidente. O caso Battisti cumpre esse papel: jornalões procuram sutilmente (ou nem tanto...) pressionar Dilma a rever a não extradição, para então quem sabe dizer "viram só, está contrariando o mentor!". Comemorariam com entusiasmo uma eventual (mas pouco provável) ruptura entre os dois atores políticos. Sem o escudo Lula, Dilma seria um alvo muito mais fácil.

Moral da história - e é justamente para esse viés que desejo chamar a atenção: com o DEM definhando e em frangalhos, quase tendo sido limado do mapa político pelas urnas, e com o PSDB mergulhado em uma crise de identidade e de ausência de projeto político concreto (agravada pelas cotoveladas e pelos empurrões envolvendo paulistas e mineiros), os jornalões e a grande mídia continuam atuando sem pudores como o principal partido de oposição do Brasil - a exemplo do que já fizeram durante o governo do presidente Lula, principalmente durante o segundo mandato.

    

2 comentários:

  1. Chico,

    Parabéns pela iniciativa, estava demorando mesmo para você montar tua página. Acredito que, pela necessidade de noticiar primeiro e também graças à internet, os jornais brasileiros estão ficando mais apartidários e, para não sucumbir ao meio digital, recorrem aos meios mais desesperados para não cair no limbo.

    Isso é um tiro no pé, porque se os jornais insistirem nessa abordagem, aí é que eles serão 'engolidos' mesmo.

    Parece que, nessa disputa de manter-se de pé ante a velocidade da informação, os Frias e Mesquita estão unindo forças para que a tradição de seus jornais não morra. E esta é, justamente, a estratégia mais inadequada.

    Abraços,
    Tiago

    ResponderExcluir
  2. Nem todo mundo tem o privilégio de ter por perto alguém que ajude a entender os pormenores dos fatos e os fluxos de interesses que correm por trás deles. Parece-me que este blog tem esta função pública de refletir e aprofundar aquelas questões que atravessam nossa vida. Uma espécie de FAQ da vida política, econômica e social. Não acho que o autor se proponha a dar respostas cabais às perguntas, mas provocando, pensando alto e desnudando alguns pontos vai ajudando os leitores a - eles mesmos - formularem ideias, entendimentos, hipóteses... E assim se pode construir conhecimento de qualidade e democrático. Estou gostando.

    ResponderExcluir