sexta-feira, 16 de agosto de 2013
A BANALIDADE DO MAL NARRADA PELO ROMANCE DE JOHN BANVILLE
Frederick Montgomery é um matemático respeitado, a vislumbrar promissora carreira de pesquisador na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos. Sem muitas explicações, talvez movido pelo desejo do desconhecido, tocado pela adrenalina das aventuras, a incapacidade de criar raízes, esquece as pesquisas e abandona repentinamente a academia. Casa-se com a jovem Daphne e com ela passa a desbravar ilhas paradisíacas na Europa. Sem dinheiro para bancar as extravagâncias crescentes, envolve-se com traficantes e, mergulhado em dívidas e ameaçado pelos criminosos, retorna à terra natal, uma cidadezinha chamada Coolgrange, na Irlanda, disposto a arrecadar o que estava devendo. Ou para fugir do problema. Deixa mulher e filho como reféns. Parece não se importar. Não fala mais neles. Em casa, reencontra a mãe, com quem guarda relações tensas e cheias de arestas e divergências, além de retomar contato com um velho conhecido, Charlie French, a quem considera como pai. Na esperança de recuperar obras de arte que tinham pertencido à família, vendidas pela mãe para garantir sustento, invade a mansão Whitewater, onde os quadros estavam agora expostos, e rouba a pintura "Retrato de uma mulher com luvas", do século XVII, que teria sido feita por mestre anônimo. Pego em flagrante por uma empregada da casa, mata a pobre coitada com uma, duas, três marteladas na cabeça. Passa nove dias na casa de Charlie, sem manifestar qualquer remorso ou arrependimento - nem evidencia preocupação em esconder as marcas do crime. Também não faz menção de fugir. Apenas aguarda o inexorável. É finalmente preso. Interrogado, confessa o assassinato. Na cadeia, escreve aquela que seria sua defesa no tribunal. É esse testemunho tenso, em primeira pessoa, que chacoalha e incomoda pela aparente naturalidade, quem conduz a narrativa de "O livro das provas", romance do irlandês John Banville publicado em 1989, lançado por aqui pela Record em 2002 e que agora tive a oportunidade de ler. É a história do assassino, de sua juventude às vésperas do julgamento. Ou não. Porque o que leitor acompanha é a reconstrução dos fatos comandada exclusivamente pelos desejos e anseios de quem talvez pretenda mais despistar e esconder do que revelar. É a fala, cínica e manipuladora, de um criminoso frio, de um psicopata, de uma mente perversa que cria e recria explicações e situações, misturando realidade com fantasia, que assume ter matado porque teve a chance de matar. Sem mais. E que quase nos convence. Quase. É daquelas obras para ser lida em uma sentada, a invadir a madrugada, sem respirar. Todas as palavras e parágrafos estão em seus devidos lugares, sem firulas, sem excessos, na medida certa. Por meio da ficção, Banville, destaque da última FLIP e um dos mais importantes escritores em língua inglesa da atualidade, pega o leitor pela mão e o convida a refletir sobre o mal, o desespero, a violência e os desvios de comportamento que assombram a existência humana.
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