PÍLULAS DA FLIP
Colm Tóibín, escritor
irlandês, autor dos romances ‘Brooklyn’, ‘A luz do farol’, ‘O mestre’, ‘Mães e
filhos’, ‘O testamento de Maria’ e ‘Nora Webster’
“Conforto é péssimo. Nada
de poltrona. Escritor precisa trabalhar numa cadeira desconfortável, daquelas
velhas, de madeira dura. Sem comer. Beber, nem pensar. É assim que funciona,
que ele consegue produzir, se concentrar, buscar as histórias que estão
escondidas e construir suas metáforas. Um romance só nasce quando tenho imagens
e memórias, ideias, que de repente se movimentam como crianças, para se
transformar em frases com melodia. O que está inerte e adormecido torna-se
dinâmico. A escrita e a frase nascem do espaço íntimo. É o milagre humano da
inspiração. A vivência é fundamental. Escritores usam pequenos detalhes do que
realmente aconteceu, do que acompanharam. Com 12 anos, eu sentava com adultos na
sala da minha casa para escutá-los, até que alguém dali me expulsasse. Tinha
uma memória prodigiosa. Guardava e lembrava de tudo. Depois de um ano, ainda
recordava falas das amigas da minha mãe. Era um perigo e um pesadelo para a
minha família. É exercício fundamental para o romancista. Por essa razão, muitas
das passagens de meus romances são autobiográficas. Venho de uma cidade pequena
da Irlanda, perto do mar. Quando estou longe, sinto saudade. Tendo a voltar
para lá sempre, nos livros. Você se acostuma, sente falta. É identidade. De
fato, é uma forma muito interessante (os
diálogos e as conversas fantásticas em ‘Nora Webster’, que acaba de ser lançado
e narra a trajetória de uma senhora viúva, na Irlanda dos anos 1960).
Procuro antes expressar o que o personagem está pensando, sonhando, lembrando.
E em seguida o que ele diz. Pode ser muito diferente do que veio antes. É o
jogo entre o que está acontecendo na mente dele e o que se revela. O não dito
me interessa, de forma que o leitor entre numa espécie de conspiração com o
personagem, o que ele sabe e o que esconde. É estratégia muito poderosa. O
leitor vai lentamente seguindo e descobrindo a história. São personagens
complexas, que se destacam (as
personagens femininas, marcantes em seus livros). Como faço? Em primeiro
lugar, sempre observei minha mãe e as irmãs dela conversando. Além disso, é
incrível notar como as mulheres conseguem falar sobre assuntos aparentemente
banais. Os homens falam de futebol, se repetem, falam sobre nada. É
desesperador, você fica esperando, vamos lá, diga alguma coisa. Não sai. As
mulheres estão sempre conversando. Minha Maria, vinte anos depois da
crucificação de Cristo, queria falar tudo. Meu trabalho foi deixá-la falar. E
tornar essas falas críveis. Foi impressionante (destacando como as narrativas ajudaram a aprovar o casamento
homossexual na Irlanda, por meio de plebiscito). Precisava ser plebiscito,
por determinação constitucional. A gente precisava mudar o voto de cerca de um
milhão de pessoas. Como convencê-los? Contando histórias. Não fizemos uma
campanha conceitual e abstrata, teórica, falando dos direitos humanos, dos
direitos dos gays. Contamos nossas histórias. Depoimentos e testemunhos. E
muita gente foi saindo do armário, o filho do político, o ministro da Defesa,
todos fomos dizendo ‘temos namorados, temos namoradas, somos felizes, queremos
casar, nos deixem viver assim’. E aconteceu uma coisa incrível, o filho foi
pedindo para o pai, vota por mim, o vizinho também. Uma linguagem nova foi
usada. Os mais novos conquistaram os votos dos mais velhos. Foi muito bonito”.
A plateia aplaudiu, em pé.
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