O xará Xico Sá escreveu em sua
coluna (“García Márquez e o futebol”) de sábado (19 de abril) na Folha de São
Paulo que o genial escritor colombiano, autor do clássico “Cem Anos de Solidão”
e prêmio Nobel de Literatura, rendeu-se aos encantos do futebol e deu-se conta
de que tinha virado torcedor (tardiamente, é verdade, aos 23 anos) quando
constatou que “ao ver a bola rolando em campo, havia perdido o senso do
ridículo”. Bingo. Talvez seja essa uma das mais precisas definições de
“torcedor” – não espanta, portanto, que tenha sido formulada pela mente
brilhante de Gabo. Porque, quando a gente torce, é capaz de expulsar a sogra da
sala, sem dó nem constrangimento, com todas as letras e altivez, sem pensar nas
consequências para o casamento, se achar que ela está dando azar para o time do
coração. Vale usar a mesma roupa durante as 38 rodadas do campeonato, às vezes
sem deixar lavar a indumentária, dependendo da importância da partida (se for
decisão, nem pensar!), incluindo calça furada bem na bunda. Um baita rombo. Quem
quiser que olhe. Dane-se. Ridículo. E daí? A calça é minha, a bunda é minha.
Torcer significa ficar de joelhos na frente da telinha da TV – ou na
arquibancada no estádio – na hora da cobrança de qualquer pênalti, mesmo que as
hérnias da coluna e as tendinites e estalos do joelho digam “não faça isso, por
favor”. Quando a gente torce, mas torce
mesmo, com a alma, fala um bando de palavrão pela janela, com o vizinho do apartamento
do lado olhando espantado e pensando com os botões dele “caramba, esse sujeito
é tão educado e pacato quando não tem futebol, me cumprimenta toda vez que me
encontra no elevador, mesmo que sejam seis da matina e o sono venha
inevitavelmente acompanhado de um péssimo humor, daqueles de querer chutar o
primeiro que aparece pela frente”. Não tem problema também ficar sem tomar
banho em dias de jogos, se a experiência, por acaso, deu certo numa vitória
qualquer – e precisa, obviamente, ser repetida. Em time que está ganhando não
se mexe. Em caso de derrota, todos os aparelhos de televisão serão
automaticamente desligados, para não correr risco de, naquela zapeada, parar em
algum programa esportivo que esteja exibindo os gols do adversário. Quer ver
telejornal? Vá procurar em outra freguesia. Jornais impressos ficam também
suspensos. Perder um jogo é quase motivo para cancelar a assinatura. Nada de
análises táticas, de notas para os boleiros, de próximos jogos. Faz bem dar um
descanso para os olhos, buscar outras leituras, não esportivas. É saudável.
Ajuda a mudar de assunto. Em situações extremas, aqueles resultados vexatórios,
é permitido ficar alguns dias sem falar com a esposa, com a namorada, com a
mãe, com o pai, com o irmão, com o filho, com o melhor camarada, com o mundo, cara
fechada, expressão de pouquíssimos amigos, até que o remédio para o fígado e o
cotovelo façam finalmente efeito. Pois é isso, Gabo, torcedores somos ridículos
mesmo. Fazemos cada coisa... E esse ano ainda tem Copa do Mundo no Brasil,
imagine você. Fico por aqui. Vou lá vestir meu uniforme da sorte. É domingo de
estreia do Santos no Brasileirão. Precisamos começar com três pontos na tabela.
Continua torcendo por um mundo melhor daí, a gente vai tentar fazer a nossa
parte daqui. Serão anos eternos de solidão, nesses tempos de desamor e de
cólera. Cuide-se e fique bem. Obrigado por tudo.
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