quinta-feira, 21 de julho de 2016

LÁ SE VAI JESUS



Um toque maroto e sutil de calcanhar, para deixar os zagueiros perdidos e Lucas Barrios na cara do gol. Oito minutos de jogo. Um a zero Palmeiras. Aos vinte e oito, escorou com categoria um cruzamento da esquerda. Verdão dois a zero. Quatro minutos depois, entrou rasgando pelo bico da área direita. Deixou o zagueiro sentado no gramado. O pé de apoio faltou, quase se desequilibrou. Até poderia ter cavado o pênalti. Sustentou. Não caiu. Direita, para a linha de fundo; não, esquerda, puxando de letra e buscando o ângulo do chute. Uma tacada seca de sinuca, rasteira, cruzada, que morreu no pé da trave direita do goleiro Fabio, estendido, atônito e sem reação. Trinta e dois minutos. Um, dois, três a zero Palestra e ponto de exclamação!, comemoraria o fanático alviverde Roberto Avallone, em êxtase catártico. Naquela noite de 26 de agosto de 2015, no Mineirão da tragédia dos 7 x 1, quando o Palmeiras eliminou o Cruzeiro nas oitavas-de-final da Copa do Brasil, Gabriel Jesus, credenciais boleiras já conhecidas, mas ainda promessa, passou a ser idolatrado e louvado pelos cânticos da galera palmeirense. Glória. Aleluia. Menos de um ano depois, titular absoluto e destaque do time, atacante arisco e habilidoso, já na condição de insubstituível, foi convocado para a Seleção olímpica. No time leve e ofensivo que o técnico Rogério Micale está montando, deve jogar ao lado de Neymar e de Gabriel, o xará do Santos. Baita ataque. Cabe até na principal. Oxalá (Jesus é ecumênico) dê certo. A água transformou-se em vinho, dos bons. E o perfume da bebida encorpada chegou ao Velho Continente. Deixai vir a mim os clubes europeus. A Juventus, da Itália, foi a primeira a flertar com o garoto. Turim, cidade moderna, passeio à margem do Rio Pó, a ligação com os babos e com as mammas, pátria de Andrea Pirlo e Del Piero, a possibilidade de jogar a Champions League com Buffon, Khedira, Daniel Alves e Dybala, dois títulos continentais, dois mundiais. Gabriel Jesus chegou a acionar os assessores para que o matriculassem num bom curso de italiano, até porque a segunda investida forte também veio da terra da Bota. A Inter de Milão sondou os empresários do boleiro. Enquanto a boataria crescia, o moleque, bem assessorado, o vírus do midia training já devidamente inoculado no sangue, tratava de despistar e de fazer juras de amor ao Palmeiras, sempre com sorriso no rosto, garantindo que sua intenção era cumprir o contrato até o final de 2019. 'O Palmeiras é minha casa, minha verdade, minha vida'. Bem-aventurados os que permanecem, porque deles é o reino da Academia. Mas... as cruzadas pelo futebol do brasileiro atravessaram a fronteira, saindo do berço do cristianismo para desembarcar na Espanha não menos fervorosamente católica. Perigo à vista. Catalunha versus a Capital. Guerra Civil Espanhola. O Barcelona despachou olheiros para acompanhar jogos do Palmeiras no Parque da Velha e Boa Aliança. Negócio fechado. A tentação é grande. Afasta esse cálice. Vale a pena ser reserva de luxo de Neymar, Messi e Suárez? O contrato não chegou. Esfriou. O Real Madrid, atual campeão europeu, deu o bote e decidiu usar a influência de Ronaldo Nazário, sempre próximo do clube merengue e conselheiro de Gabriel Jesus, para tentar seduzir o atacante. Os vendilhões do Templo não sossegaram. A Arca de Noé cruzou o oceano. Foi parar na Grande Ilha. Na Granja Comari, no intervalo de um dos treinos da olímpica, o celular do garoto (ainda) do Verdão tocou. Inglaterra. Manchester. Do outro lado da linha, um sotaque meio catalão, meio espanhol, um tanto alemão bávaro, já com pitadas de inglês. Pep Guardiola. O deus dos professores-treineiros. Quinze minutos. 'Sim, professor. Entendo, professor. Claro, professor. Puxa, imensa alegria. Quem não quer jogar no seu time, professor? Pode contar comigo'. Fechado. Trinta e dois milhões de euros, cento e quinze milhões de reais. Pai Nosso. Salve, Rainha. Ave, Maria. É muita grana. O Palmeiras ficaria com cerca de dez milhões de euros (30% dos direitos econômicos). Mas ainda tentaria avançar e abocanhar mais uma bolada do percentual dos empresários e investidores (porque jogador de futebol é fatiado em vários filetes). Agora vai. Negócio fechado. Nada. Ainda não. Não cobiçarás o jogador pretendido pelo próximo? Esquece. José Mourinho, o agora todo-poderoso treinador do outro gigante de Manchester, o United, fez birra e resolveu deixar explodir a rivalidade dos infernos (perdão, Jesus) vivida com Guardiola nos tempos de Barça x Real. Entrou no circuito e exigiu a contratação de Gabriel. A oferta: trinta e cinco milhões de euros. Milagre da multiplicação da grana. Duelo de titãs. Anjos e demônios. Virou questão de honra. De camarote, o Palmeiras se delicia com o leilão. Espera chegar aos quarenta milhões de euros. Negócio. Não roubarás. Por tudo que é sagrado. À noite, na Granja, Gabriel Jesus rezou. Demorou a dormir. O sono foi agitado. Teve visões. Esteve no paraíso. Jogando futebol, claro. Subiu o túnel e entrou em campo com a nove listrada, clássica, preta e branca. Juventus. Quando o aquecimento começou, vestia uma listrada. Azul e preta, belíssima, sem número. Internazionale. No primeiro toque na bola, saída de jogo, viu-se com a famosíssima, imponente e respeitada grená e azul. Barcelona. Ao tentar o drible, sofreu falta. Preparou-se para a cobrança. Olhou para o telão. Ajeitou o uniforme todo branco, liso. Real Madrid. Mirou o ângulo. Camisa azul celeste. Manchester City. Com o manto vermelho sangue vivo do Manchester United, viu a bola passar por cima da barreira, fazendo exatamente a curva e o caminho que tinha imaginado. Acordou entusiasmado, mas sem saber se a pelota tinha entrado. 'Será que foi gol?'. Sentou na cama. Aproveitou para tomar um gole d'água. Garganta seca. 'No meu paraíso não tinha camisa verde'. Fez o sinal da cruz. Voltou a dormir.

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