segunda-feira, 18 de julho de 2016

A MALDITA JANELA DE TRANSFERÊNCIAS



Há quinze anos, para não ir muito longe, se algum boleiro ou boleira lhe dissesse 'não demora muito e vai chegar o dia em que o time para quem você torce vai começar a disputa do Brasileirão com uma escalação e terminar o campeonato com outra, muito diferente da original', você encararia esse maluco ou maluca com expressão blasé, descrédito total, como se conversasse com alguém completamente desconectado da realidade. 'Que doideira é essa? Tomou chá de cogumelo. Só pode'. Diante da insistência convicta do interlocutor, você anotaria num pedacinho de papel o nome do seu psiquiatra e recomendaria que o profissional fosse procurado com a máxima urgência. 'Você precisa de ajuda médica. Está parecendo um daqueles profetas barbudos das seitas religiosas que pregavam nos desertos nos primeiros tempos do cristianismo, tentando adivinhar o futuro'. (sim, ainda estou tocado pela leitura de 'O Reino', de Emmanuel Carrere). Em tom desafiador, gostinho de revanche no ar e sorriso de canto de boca, esse amigo ou amiga aproveitou um encontro na semana passada para mandar o seguinte petardo: 'e aí, você já crava que o Palmeiras será o campeão brasileiro de 2016? Bom elenco, técnico competente, quase imbatível em casa, fazendo pontos fora, quase metade da disputa, três de vantagem para o segundo colocado. Crava? Banca ao menos que o Verdão estará entre os quatro classificados para a Libertadores de 2017?'. Segundos de silêncio depois, que pareceram eternidade, quase pedindo ajuda aos universitários, você, engolindo seco, engasgando, lembra da tal profecia de que tanto desdenhou e toma posição no ponto mais garboso e elegante do muro. 'É, veja bem, não dá para arriscar, é provável, mas é difícil, hoje diria que sim, tudo leva a crer, é um dos favoritos, mas... tudo vai depender mesmo da janela".

Maldita janela de transferências.

No último Brasileirão disputado no sistema mata-mata (pontos corridos é muito mais legal, mas essa é outra conversinha), em 2002, o time-base do Santos, campeão daquele ano, foi praticamente o mesmo, consideradas as tradicionais turbulências do futebol (contusões, cartões amarelos, expulsões, opções do treinador): Fabio Costa, Maurinho, Alex, André Luiz e Leo; Paulo Almeida, Renato, Elano e Diego; Robinho e Alberto. Caiu um cisco aqui no meu olho, que está cheio d'água. Choque de realidade: logo nas primeiras rodadas do campeonato deste ano, 2016, o Peixe recebeu presentão da CBF (que se esmera em atrapalhar o próprio certame que organiza) e precisou se virar nos trinta para tentar substituir Ricardo Oliveira (depois se machucaria), Lucas Lima e Gabriel, convocados para a Seleção Brasileira humilhada com a desclassificação na primeira fase na Copa América Centenário. Agora por conta da Olimpíada, em mais uma jogada de mestre da Confederação Brasileira de Falcatruas/Fracassos (pode escolher), o Santos perde novamente três atletas fundamentais (Zeca e Tiago Maia, além, de novo, de Gabriel) para suas pretensões no Brasileiro (Palmeiras, Grêmio, São Paulo, Inter, Atlético Mineiro e Vasco também foram duramente prejudicados). Para além das barbaridades patrocinadas pela entidade máxima do nosso futebol, que desfalca os times ao bel-prazer do esdrúxulo calendário que 'organiza', os clubes sofrem ainda com as úlceras crônicas provocadas pela indigesta janela.

Maldita janela de transferências.

Éramos felizes e não sabíamos quando nossos medos se concentravam nos poderosos times europeus.Barcelona, Real Madrid, Manchester United, Bayern de Munique, Milan, Juventus... Seduzidos pelos euros e pelas promessas de se destacar em centros mais competitivos, nossos boleiros faziam a mesma viagem dos produtos primários durante a era da colonização ou das commodities que alavancaram nosso espasmo de desenvolvimento nos últimos anos, saindo das chamadas periferias e desembarcando nos países ditos mais modernos e desenvolvidos, em mais uma faceta da novíssima divisão internacional do trabalho e da globalização assimétrica que cria abismos entre nações. Os vilões se multiplicaram. Passamos a temer (primeiramente, ForaTemer!) os mercados japonês, russo, ucraniano a árabe. Mais recentemente, geopolítica e economia mundial novamente em cena, a liga estadunidense e as estratosféricas ofertas dos clubes chineses nos dão calafrios. Fatiados em direitos econômicos que pertencem ao empresário x, ao fundo de investimento y, ao banco parceiro z, as jovens promessas voam cada vez mais cedo. Mergulhados em dívidas e marcados também por administrações desastrosas, não são poucas as ocasiões em que clubes nacionais aceitam merrecas que lhe são oferecidas, para desafogar o caixa e cuidar das dívidas imediatas. Em outras negociações, é mesmo difícil resistir aos caminhões com milhões de euros que estacionam nas depauperadas contas bancárias dos nossos times. É muita grana. Negócio. Aceita que dói menos.

Maldita janela de transferências.

Sem muita margem de manobra ou capacidade de reação, o Santos vê serem assediadas suas principais estrelas: Lucas Lima, Ricardo Oliveira, Gabriel, Zeca, Tiago Maia e até Gustavo Henrique. O técnico Dorival Junior esbravejou. Com razão. Tem meu apoio. Após a eliminação na Libertadores, o São Paulo já perdeu Calleri, Paulo Henrique Ganso, Alan Kardec e, provavelmente, Rodrigo Caio. Como lidar com o desmanche? Gabriel Jesus, principal revelação palmeirense em muitos anos, atual artilheiro do Brasileirão (dez gols), é disputado a tapa - e euros - por Real, Barça e Inter de Milão. Mas vamos ficar preocupados com a saída de um único jogador? Bem, diga isso a um palestrino. Prepare-se para ouvir um rosário de palavrões cabeludos. Em junho, o zagueiro Felipe zarpou do Corinthians para o Porto. Elias é sempre citado como possível negociável. Nilton, do Inter, foi para o Japão. Luan, do Grêmio, Lucas Pratto, do Galo, Guerrero, do Flamengo aparecem invariavelmente nas casas de apostas dos que podem ainda dizer adeus ao Brasileirão em curso. A lista é interminável. A Olimpíada vai funcionar como mas uma vitrine para os jovens boleiros. Empresários e investidores já distribuem pernadas e cotoveladas na concentração da Seleção.

Maldita janela de transferências.

O que resta aos torcedores é dividir suas torcidas em duas frentes: pelas vitórias do time no campeonato... e para que o tempo voe e a janela, esse portal nada colorido de angústias e pesadelos, seja rapidamente fechada. Como a gente torce. Contamos os dias, riscando o calendário. Respiramos aliviados e dizemos 'ufa, fechou a chinesa, menos um tormento'. Temos receio de acompanhar o noticiário do nosso time. 'Será que saiu alguém?'. Disparamos zapzaps para amigos boleiros bem informados. 'Alguma novidade?'. Suamos frio quando pisca no celular a informação urgente e de última hora sobre futebol. 'Leio ou não? E se for má notícia?'. Otimistas (melhor seria dizer românticos), desejamos também mudanças no calendário, o fortalecimento das finanças dos clubes (um dia vão entender de fato que o patrimônio maior são seus torcedores), verbas publicitárias mais condizentes com o potencial de mercado e a histórias e as tradições de nossos times, relações com transmissões de TV menos promíscuas e também mais vantajosas para as equipes, medidas que ao menos ajudariam a criar mais obstáculos e dificuldades para essa debandada boleira. A gente entende as planilhas, os balancetes financeiros, os conselhos fiscais. Mas o torcedor, esse pobre coitado movido por paixões e entregas, quer mesmo é ver seus ídolos em campo, vestindo a camisa do seu clube, comemorando gols. Com a certeza de que poderá vê-los escalados na rodada seguinte. E na outra, E na terceira, Até o final do campeonato.

Maldita janela de transferências.

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