sábado, 29 de março de 2014

50 ANOS. NUNCA MAIS





Central do Brasil. O governo reafirma seu firme propósito de lutar para garantir as mudanças que a sociedade brasileira exige. Reformas de base. O povo está com Jango. Vamos distribuir as terras e garantir justiça social. Não é cova grande, é cova medida, é a terra que querias ver dividida. Não é mais possível aceitar que empresas estrangeiras remetam indiscriminadamente seus lucros para o exterior. É preciso taxar o capital. A família brasileira marcha com deus pela liberdade. Salve rainha, mãe de misericórdia. Terço enrolado nos dedos. Velas acesas. Nossa bandeira não é vermelha, é verde e amarela. O Brasil quer ordem. Fora, Jango! Ave maria, cheia de graça. Jornais pedem saída do presidente. Pai nosso. Não ao comunismo, não à república sindicalista. As tropas do general Olímpio Mourão estão a caminho do Rio de Janeiro. Operação Brother Sam. A quarta frota estadunidense está na costa brasileira. Os Estados Unidos estão prontos para invadir o Brasil, se preciso for. Declaro vago o cargo de presidente da República. Cadê a resistência? João Goulart fugiu para o Uruguai. O general Humberto Castelo Branco assume o poder. Jura ser leal à Constituição do Brasil. Era para ser uma intervenção jurídica. Era? Mandatos parlamentares cassados. Militares nacionalistas cassados. Sindicalistas cassados. Professores universitários aposentados compulsoriamente. Fogo na sede da União Nacional dos Estudantes. Partidos políticos proibidos. Prisões arbitrárias. Opositores do regime começam a sair do país. Exílio. Saudades. Vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar. Deus e o diabo na terra do sol. Abaixo a ditadura. Passeatas estudantis. Greves operárias. O povo no poder. É proibido proibir. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar. Mataram um estudante. Podia ser seu filho. Cem mil nas ruas. Discurso do deputado Marcio Moreira Alves. Congresso de Ibiúna. Às favas, senhor presidente, com os escrúpulos de consciência. Ato institucional número cinco acaba com direito ao habeas corpus. Institui a censura prévia. Admite a tortura como prática de Estado. Pega, mata e come, carcará! Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações. Anos de chumbo. Operação Condor. O terror. Conhece a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Pois esqueça. Aqui ela não vale. DOI. CODI. CENIMAR. Operação Bandeirante. DOPS. Empresários financiam a tortura. Empresários acompanham sessões de tortura. Empresários se regozijam com sessões de tortura. Jornais emprestam viaturas para transportar presos políticos para sessões de tortura. Fala, comuna filho da puta! Onde estão os outros terroristas? Pancadas, choques, afogamentos, pau-de-arara, violência e estupro de muitos corpos, frio, calor, barulho, sono, inferno, silêncio, pancadas, choques, afogamentos, cadeira do dragão. Corpos esquartejados. Corpos queimados. Corpos rasgados. Corpos jogados ao mar. No rio? Na mata? Em sacos plásticos? Matei, torturei, escondi corpos. E continuo impune, livre. Não me arrependo. Não há tortura no Brasil. Esse é um país que vai pra frente. Noventa milhões em ação. Brasil, ame-o ou deixe-o. Educação Moral e Cívica. Organização Social e Política do Brasil. Professores calados. Escolas controladas. Censura. Fila para cantar o hino. Mão no ombro direito do colega da frente. Direito. Jamais o esquerdo. Jamais a esquerda. Costa e Silva. Médici. Geisel. Figueiredo. Poemas de Camões e receitas de bolo. Pasquim, Movimento, Bondinho, Versus. Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados. Afasta de mim esse cálice. Cale-se. Milagre econômico. Muitos perdem, poucos ganham. É o bolo dividido. VPR, ALN, Var-Palmares, Colina, PCBR, PC do B, MR-8. Sequestrado o embaixador dos Estados Unidos. Essa é uma guerra revolucionária. Não aceitaremos que nossos companheiros continuem sendo torturados nos porões da ditadura. Agora é olho por olho, dente por dente. Militantes libertados chegam ao México. Guerrilheiros no Araguaia assassinados. Decepados. Carlos Lamarca assassinado no interior da Bahia. Carlos Marighella assassinado em São Paulo. Carlos, João, Miguel, Misael, Ísis, Iara, Vera... todos assassinados e desaparecidos pela ditadura. Onde estão nossos familiares? Vladimir Herzog se suicida nas dependências do DOI-CODI em São Paulo. Vladimir Herzog foi mais um assassinado pela repressão. Choram Clarices e Marias. Sindicato dos Jornalistas de São Paulo organiza a resistência. Culto ecumênico na catedral da Sé. Oito mil pessoas reunidas. Abaixo a ditadura. Anistia ampla, geral e irrestrita. Meu Brasil, que sonha com a volta do irmão do Henfil. Bombas em bancas de jornal. Explode bomba no Rio Centro. Queremos votar para presidente. Diretas Já. Camisas amarelas. Vai passar. Diretas derrotadas. Uma tragédia chamada Collor de Melo. O presidente sociólogo perseguido pela ditadura não abriu os arquivos do terror. O presidente operário preso pela ditadura não abriu os arquivos. A presidenta guerrilheira torturada pela ditadura não abriu os arquivos. A anistia virou escudo de proteção para torturadores. Comissões da Verdade não avançam como se esperava. Brasil não seguiu exemplos da Argentina, do Chile, do Uruguai, do Peru. Tortura continua sendo prática corriqueira nas nossas delegacias. Cadê o Amarildo? Viúvas e saudosos da ditadura vagam por aí. Acham que eram felizes. Não se constroi democracia quando se pisa nas cabeças de cadáveres insepultos. Homenageamos os algozes - elevado Costa e Silva, rodovia Castelo Branco. 'Ditabranda' para quem, cara pálida? Verdade. Memória. Justiça. Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos. Meu sangue latino. Minha alma cativa. E uma mãe esquece o filho que foi assasinado pelo terror? Deixem-nos enterrar nossos mortos. É preciso narrar para as novas gerações todas - e cada uma - das atrocidades cometidas pela ditadura civil-militar brasileira. Para que nunca mais. Nunca mais. E a vida devia ser bem melhor. E será. 

2 comentários:

  1. Ditadura.........NUNCA MAIS !
    BELÍSSIMO TEXTO.
    PARABÉNS, MEU FILHO.
    beijos, seu pai.

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  2. Texto digno de ser divulgado, lido e discutido entre os mais novos.
    Posso apresentar esse texto aos meus alunos?
    Engajado, forte e poético.
    Parabéns!
    Um grande abraço,
    Thiago S. F. de Castro

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