No começo eram apenas alguns grunhidos meio desconexos, isolados, vindos de pontos restritos e distantes das arquibancadas. Nem prestava atenção, não era comigo mesmo, vou continuar me deliciando com meu chicabon de chocolate. Não demorou muito e começamos a notar a presença mais ostensiva de alguns grupos organizados, sentados sempre juntos, ariscos, ameaçadores, caras de poucos amigos, vestidos com camisas onde se lia "negro jamais. Orgulho de ser branco". Imitavam macacos, sem constrangimentos. Deixamos para lá, afinal essas coisas sempre aconteceram mesmo no futebol, faz parte do folclore do esporte, é só mais uma brincadeira. Foi quando os sons das imitações se tornaram muito mais fortes, ecoando pelas arenas, bastava um jogador negro pegar na bola e lá vinham aqueles gritos agudos e rasgados, típicos dos símios, as mãos coçando a cabeça e a barriga, gente pulando sem parar. Eram muitos, nas laterais, atrás dos gols, nas cobertas, nas cativas. Vai passar, pensamos, é só uma onda, se a gente ficar dando bola e muita atenção aí é que os caras vão se empolgar mesmo. Só provocação momentânea. Denunciar? Não vão ser punidos mesmo. O melhor é ignorar, fingir que não estamos vendo. Pouco tempo depois, choviam bananas no campo, atiradas em direção aos atletas negros. Assustador. E, como não fizemos nada antes, os imitadores de macacos estavam agora em todas as partes, faixas estendidas, enfurecidos, ameaçando dirigentes, exigindo aos berros que os clubes se recusassem a contratar jogadores negros, entoando vários gritos de guerra racistas. Não havia mais espaço para a gente. Estava tudo dominado. O estádio era todo deles.
(Inspirado em poemas escritos pelo pastor luterano Martin Niemöller e pelo poeta Eduardo Alves da Costa)
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