Escrevi ontem nas redes sociais e reforço aqui: não tenho procuração para defender José Dirceu. Nem quero ter. O ex-ministro deve à Justiça e à sociedade explicações sobre situações lamentáveis e escabrosas. Também discordo da maneira como pensa e faz política. Colocadas essas premissas, é preciso rechaçar com veemência a "matéria" de capa da revista Veja desta semana, que é jornalisticamente indecente. Fosse a dita "reportagem" um Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo, estaria reprovada. Eis alguns dos motivos que levariam à reprovação em banca:
- O que temos na "matéria" é um texto editorializado, opinião travestida de informação, prática aliás que é muito comum no "jornalismo" patrocinado pela publicação, que invariavelmente confunde propositalmente os gêneros e diz lidar apenas com fatos, quando o que tenta de fato e invariavelmente é nos convencer ou nos obrigar a pensar como ela, com seus discursos ideológicos e opiniões impostas como se fossem verdades absolutas. As fontes na "reportagem" são raras, bem poucas - e, quando aparecem, ou servem para legitimar o discurso previamente estabelecido (o argumento de autoridade) ou são anônimas ("um cacique petista"). Fácil trabalhar assim. Ah, sim, os poucos que falam para desmontar a versão da revista são, em seguida, contestados pela própria revista - no limite, a verdade de Veja sempre prevalece. A última palavra é sempre da revista.
- A "reportagem" trabalha com uma série de ilações, de suposições, de sugestões, sem apuração, sustentação ou confirmação, requisitos básicos do bom jornalismo. Fica consagrada assim a prática do achismo, do impressionismo - que novamente a revista tenta transformar em verdade. Veja briga com os fatos. Apenas um exemplo - o panfleto de quinta categoria (assim chamado pelo jornalista José Arbex) registra que, no dia 06 de junho, durante 30 minutos, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, foi recebido por José Dirceu no quarto do hotel que funcionaria como gabinete do ex-ministro. Com base nessa informação, e apenas e tão somente nessa informação mesmo, Veja sugere que Gabrielli e Dirceu se encontraram para confabular sobre a demissão do então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Como a revista chega a essa conclusão? Quem sustenta essa afirmação? Ninguém sabe. Porque Veja não participou daquela conversa. Perguntou para Gabrielli o motivo do encontro. O presidente da Petrobras respondeu: "Sou amigo dele, não devo dar conta dessa reunião para ninguém". Ignorando a fala da própria fonte que ouve, e sem apresentar qualquer indício que pudesse contestá-la ou mesmo declaração de outra fonte capaz de sustentar outra versão, o panfleto então conclui, por conta e vontade próprias, que o encontro definiu a demissão de Palocci. Não há sequer fontes em off, prática comum nesse tipo de jornalismo, a minimamente amparar a tese de Veja. O que está na "matéria" é aquilo que a revista ACHA ou SUPÕE que tenha acontecido no quarto do hotel. Qualquer estudante de primeiro ano de Jornalismo sabe que apuração é fundamental - e que matérias não podem ser produzidas com base em nossas vontades e desejos ou levando em consideração aquilo que "achamos". Veja inverte a mão de direção e acaba por consagrar a máxima do péssimo jornalismo que se concentra na produção de factóides amparados por ilações e suposições.
- Qual a novidade da matéria, "o gancho", como se diz no jargão jornalístico? Que José Dirceu continua a ser uma personalidade política importante, uma referência no mundo da política, um sujeito que continua se reunindo com senadores, deputados, ministros? Ora, até as pedras usadas na construção da Muralha da China sabem dessa condição protagonista do ex-ministro! E qual é a "denúncia" mesmo? Que José Dirceu recebia colegas de partido e outras figuras da política nacional? Ah... Veja chove no molhado, traz mais do mesmo, requenta um denuncismo vago e politizado, que dá bem os contornos de uma revista que tenta ocupar o espaço de oposição, vazia por sua vez de discursos e de projetos. O único objetivo da matéria é desgastar o governo, enfraquecer a Presidenta (que não teria sequer autoridade sobre seus ministros e a base aliada, que ouvem muito mais o ex-ministro que a própria Presidenta). Critérios como "ineditismo, atualidade, relevância e interesse público", tão ensinados nos cursos de Jornalismo como referências para a seleção de pautas, não valem para a revista. A propósito: os encontros reportados na "matéria" aconteceram nos dias 6, 7 e 8 de junho. Se eram tão urgentes e relevantes, tão graves, por que a revista demorou mais de dois meses para revelá-los, em matéria de capa?
- Por fim, quem tenta obter informações de forma ilícita, safada mesmo, procurando convencer uma camareira a ser cúmplice de uma invasão de quarto, na expectativa de obter de forma absolutamente imoral e ilegal qualquer "papel secreto, comprometedor", pode ser qualquer outra coisa (gângster, por exemplo). Mas jamais poderá ser chamado de Jornalista.
Até a parte em que criticas o pseudo jornalismo da Veja, na minha opinião, acertastes. Mas quando deduzes qual é o objetivo da Veja com essa matéria, acho que erras feio. Está se consolidando uma disputa Dilma x Dirceu e a Veja (que está endividada em dólar e vivendo dos anúncios do governo) está ajudando Dilma a se livrar dos ministros bomba herdados de Lula que ela nunca quis. Dilma continua seu namoro com a grande imprensa e está dando as cartas nesse momento. Não à toa Dirceu tentou inverter o jogo e deu tanta importância aos atos da revista antes da reportagem sair. É o famoso "fogo amigo". Observe como essa história vai acabar.
ResponderExcluir;)
ps: Dilma foi procurar apoio no PMDB para se salvar dos ataques de Dirceu dentro do PT. Dilma desmontou a máquina arrecadatória de campanha montada por Dirceu que passava pelo ministérios dos Transportes, empreiteiras, construtoras e Eike Batista e eu duvido que Dirceu esteja tranquilo com isso, ou não estaria tão plantado em Brasília. A Veja pode distorcer os fatos, mas Dirceu está acampado na capital e isso não há como negar.
O Dirceu, com certeza, está envolvido em uma série de lambanças.Porém a forma que a Veja trás isso à tona é bem discutível, pois o jornalista tem de manter a ética até quando se investiga um bandido. Não é porque se está lidando com um fora da lei que temos o direito de nos igualarmos a ele para pegá-lo.Bela análise do senhor,realmente há erros escabrosos ali.
ResponderExcluirNo entanto, não há como negar o tal "capitalismo de laços", excelente obra do professor Sérgio Lazzarini, porque nosso Estado tem relações, no mínimo, estranhas com algumas empresas, a começar pelos tais financiamentos de campanha.Casos em que o político se esquece que está lá para representar o público, fazendo do Estado sua empresa privada.Algo bem característico de Dirceu e agora que não é mais, oficialmente,um homem público, não quer largar a boquinha.
Acredito o repórter da Veja foi muito burro--além de antiético e inimigo do jornalismo-- se tentou realmente forjar a entrada no quarto de Dirceu, uma coisa completamente desnecessária.Porém, a acusação partiu do próprio Dirceu, o que já não tem lá muita credibilidade e pode ter sido a fim de desviar a atenção e se fazer de vítima. Eu não sei como essa corja ainda fica solta no nosso país, incrível...