Os negros foram, durante mais de 300 anos, submetidos no Brasil a condições animalescas de vida. Arrancados de suas terras africanas, de suas raízes, eram transportados acorrentados em porões de navios para lá de insalubres, sem higiene, sem luz, sem comida e onde os ratos tinham mais liberdade; os que sobreviviam eram vendidos como mercadorias quaisquer, avaliados pelos músculos, pelos dentes, pelos peitos, pelas bundas. A abolição da escravidão, em 1888, esteve longe de representar a plena, ampla e imediata incorporação deles à sociedade brasileira e aos direitos, acessos e oportunidades consagrados aos brancos. O racismo, velado e explícito, continuou a patrocinar atrocidades. Ainda hoje, mesmo reconhecendo avanços inquestionáveis em relação à negritude, trabalhadores brancos (homens e mulheres) ganham mais que negros, ocupando mesmos cargos e posições; negros são parados nas ruas quando estão dirigindo carrões; jogadores negros são aviltados em campo e chamados de macacos; nas cabeças de muitos, negros continuam sendo incapazes de desempenhar trabalhos intelectuais - servem apenas para serviços mecânicos e braçais. A cor da pele infelizmente continua servindo como torpe instrumento de hierarquização e imposição de "melhores e piores", de legitimação e de manutenção de falsas diferenças e de perpetuação de desigualdades. Mais do que necessário, portanto, que o Estado atue para combater e criminalizar o racismo, para garantir cotas nas universidades, dentre outras políticas públicas fundamentais.
Historicamente, as mulheres representam outro segmento social vítima de injustiças e de perseguições, pautadas por uma sociedade que infelizmente ainda entende o macho como o centro da família, o provedor, o líder inquestionável, a autoridade a quem a mulher deve apenas obediência e serviços. É simples: quando o homem trai, é garanhão (um elogio confesso); quando a mulher trai, é uma galinha (expressão pejorativa). Isso sem contar as milhares de vítimas de seus maridos, patriarcas que se julgam no direito de bater, espancar, ferir (física e emocionalmente), atirar, matar... Eis que surge a Lei Maria da Penha, como resultado direto das lutas das mulheres, para protegê-las e agir contra os que agem para agredi-las e humilhá-las.
Crianças e adolescentes, seres ainda em processo de formação, ainda frágeis e inocentes, vítimas muitas vezes de maus tratos, de violência doméstica, de pedofilia, de espancamentos, de trabalhos forçados, carecem também de atenção especial, de cuidados e carinhos intensos, de proteção psicológica, de aconchego e formação que lhes garanta crescimento e amadurecimento dignos, equilibrados, críticos e conscientes. Daí a beleza - e a necessidade civilizada - do Estatuto da Criança e do Adolescente, a preocupar-se com momento fundamental de nossa evolução. O mesmo raciocínio vale para a terceira idade, já que ainda prevalecem no Brasil percepções e comportamentos que vislumbram a velhice como um momento a ser ignorado - viabilizando um discurso que diz que "o velho é descartável, o tempo dele já passou, virou peça de museu, tornou-se chato, desagradável, um estorvo com o qual devemos lidar. Ou dar cabo dele, abandonando os idosos à própria sorte". Sabedoria acumulada, experiência, memória e trajetória de vida são desconsideradas e desrespeitadas. O bom mesmo é ser eternamente jovem. Pois eis que entra em cena a relevância humanista do Estatuto do Idoso, que tem como objetivo minimizar esse cenário e reverenciar e valorizar a cidadania também na terceira idade.
Mais recentemente, passamos a perseguir os "novos diferentes", os homossexuais, cerceados em sua liberdade de expressão, impedidos muitas vezes de manifestar afeto em público, tratados como doentes, delinquentes, pessoas com desvios de comportamentos, representados não raro de forma caricata e estereotipada em novelas, vítimas de preconceitos e ações violentas que com frequência cada vez maior acontecem em espaços públicos. Faz-se portanto mais do que urgente a aprovação do projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, que criminaliza a homofobia e a iguala ao crime de racismo; além disso, é preciso investir na educação, na conscientização, nos argumentos contra a força bruta, consagrando iniciativas como a distribuição dos kits anti-homofobia em escolas públicas, tarefa que infelizmente foi suspensa pelo governo Dilma.
Como se vê, o Estado deve agir para proteger e garantir direitos e dignidade a segmentos e grupos da sociedade que não são necessariamente minoritários, mas que são historicamente vítimas de preconceitos, de injustiças, de desigualdades e de violência, alijados do exercício da ampla cidadania.
Confesso que, em quase 40 anos de vida, não conheço caso de heterossexual, homem ou mulher, que, por manifestar essa condição, tenha sido agredido durante a madrugada na avenida Paulista; ou tenha tido a orelha arrancada a dentadas por abraçar o filho em público; ou tenha recebido cascas de banana na cabeça em campo por, depois de marcar um gol, ter mostrado a camisa com a inscrição "sou hétero"; ou receba salários menores em empresas por ter declarado na ficha de admissão ser casado com pessoa de outro sexo; ou que apanhe do pai ao revelar namoro com menina (no caso do garoto) ou com menino (no caso da moça). Enfim, os exemplos seriam muitos.
O que importa dizer é: a aprovação, pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, do "Dia do Orgulho Heterossexual", não faz parte das políticas afirmativas cidadãs que devem ser patrocinadas pelo Estado; bem ao contrário, representa uma política revanchista, uma cruzada fundamentalista intolerante movida por setores expressivos e obscurantistas de nossa sociedade, truculentos e pouco afeitos à diversidade, em sua plenitude.
Como escreveu em seu blog o jornalista Leonardo Sakamoto, trata-se de um "perigo representado por uma maioria (com direitos assegurados) que começa a se manifestar de forma organizada diante da luta de uma minoria por seus direitos, reivindicando a manutenção do espaço que já é seu – conquistado por violência, a ferro, a fogo e na base da Inquisição. Mesmo que a conquista de direitos pela minoria não signifique redução de direitos da maioria mas, apenas, necessidade de tolerância por parte desta. Lembrando que “maioria” e “minoria” não são uma questão numérica, mas sim de quanto um grupo consegue efetivar sua cidadania".
Diante da aberração chamada "Dia do Orgulho Hétero", aprovada pelos nobres vereadores paulistanos, Sakamoto diz ter vergonha de ser hétero. É bem por aí.
Lamentável, São Paulo.
Eu particularmente, sou um fervoroso entusiasta do feminismo:
ResponderExcluirhttp://www.cbsnews.com/stories/2007/09/26/the_skinny/main3299143.shtml
" Since the 1960s, men have gradually cut back on tasks they dislike. They now work less and relax more."
OBRIGADO FEMINISMO!
a nova moda de "ser gay é ser melhor" é mais uma manobra abstrata do capitalismo para alienar, lucrar e dizimar o povo para com as nossas raízes culturais. digo abstrata pois essas novas ondas e modas trazidas pelo capitalismo não tem nome nem rg de quem começou, apenas uma cadeia de consequencias vindas de um sistema que em 200 anos acabou com o que a mãe natureza demorou bilhões de anos para construir.
ResponderExcluirassim, texto muito bom mesmo, mas vc comete um pequeno "erro", vc diz q recentemente as agressões aos homossexuais começaram, sou gay, tenho 30 anos, e eu sofri bullying na escola, fui ameaçado de morte por um irmão e apanhava diariamente do meu pai. isso 20 e poucos anos atrás, então... RECENTEMENTE?
ResponderExcluirSei que vc está falando dos casos que agora passaram a ser noticiados. mas eles passaram a ser noticiados, mas já aconteciam, me pergunto é porque eles passaram a ser noticiados agora.
Ótimo texto, Chico! Concordo 100% com você! O Estado tem tantas coisas importantes para se preocupar. A saúde pública está um caos, o mesmo ocorre com a educação e tantos outros serviços aos quais temos direitos como cidadãos. Não faz sentido algum promover um dia como este. Realmente lamentável!
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