Há os literários, deliciosamente inventados pelas imaginações dos
ficcionistas, como aquele que Capitu tentava esconder de Bentinho em “Dom
Casmurro” – ou que um ciumento e paranoico Bentinho achava que a esposa
mantinha guardado a sete vezes sete chaves.
Os econômicos e os políticos nem sempre são pautados por belezas
ou honestidades. O mercado financeiro não raro funciona impulsionado pelo
vazamento de informações privilegiadas e sigilosas; disputas partidárias são
muitas vezes travadas por meio de dossiês confidenciais que desembarcam em
redações jornalísticas, rapidamente alcançando o espaço público, sem as devidas
checagens ou apurações.
Ocupações e manobras militares não existem sem códigos secretos e
pesadíssimos jogos de simulações e de contrainformações. Várias foram as pistas
falsas e os blefes propositalmente espalhados pelos Aliados antes do
desembarque na Normandia, em 6 de junho de 1944, o chamado “Dia D”.
Existem também os inaceitáveis. Em nome da justiça, da memória e
da verdade, arquivos da ditadura civil-militar brasileira deveriam ter sido
abertos à sociedade há muito tempo. Segredos indecentes.
Pai, por favor, é coisa nossa, só nossa, não conta para ninguém.
Nem para a mamãe. Pode confiar, filho. Ninguém vai saber. São os segredos
embriagados de afetos e carinhos, profundas confianças. São comuns ainda aqueles
que nos colocam em inesquecíveis roubadas, aquela bobagem na balada, por
exemplo, nota baixa numa prova escondida dos pais. Não conta, não conta. Se
você contar a minha, conto a sua! Quem nunca?
Quando eu era moleque, morria de vontade de descobrir ao menos
alguns dos segredos secretíssimos que as meninas escondiam naqueles diários
misteriosos, escritos em linguagens cifradas e malocados no fundo da gaveta
mais protegida, com cadeado, só acessíveis às melhores amigas.
Cuidado com aquela sua pauta fantástica, caro repórter. Algum
aventureiro inescrupuloso pode te ouvir e, num acesso de empolgação, decidir
lançar mão da matéria, como se fosse dele. Guarde segredo. Revele a ideia no
momento oportuno.
Tenebrosas transações envolvendo boleiros graúdos, rabiscadas por atmosferas
de mistérios e cortinas de desconfianças, são cada vez mais frequentes.
Segredos que, quando vêm à tona, desnudam negócios detestáveis e cheiros
desagradáveis. Dentro de campo, os mágicos Messi e Neymar nos encantaram
recentemente com um segredo provavelmente combinado nas madrugadas de
concentração – o pênalti batido em dois toques, na goleada contra o Celta.
Esperto e ligeiro, Suárez deve ter ouvido os cochichos trocados entre o
argentino e o brasileiro. Atravessou a frente de Neymar (que deveria concluir a
jogada, de acordo com o roteiro original) como um raio e mandou a bola para as
redes.
Imaginem agora o que é guardar um dos mais importantes segredos da
história da ciência durante quatro meses. Ser obrigado a fingir que não é com
você, fazer cara de paisagem, tocar normalmente a rotina de trabalho, dizer (e
tentar ser convincente) ‘ainda não sei, estamos analisando os dados’ quando perguntado
diretamente sobre o assunto...
Coceira na língua. Atenção e cuidado redobrados para não abrir a
guarda e, num instante de papo mais informal, amigos reunidos numa mesa de bar,
deixar escapar a novidade e colocar tudo a perder. Ceia de Natal, festa de Ano
Novo... e você lá, quietinho, resistindo heroicamente.
Não vale nem falar durante o sono, rolando na cama com o calor
insuportável, sonhos e pesadelos. Vai que balbucia ‘ondas... ondas...’. E
alguém escuta. Cobra a fatura no dia seguinte. ‘Eu disse isso? Que viagem. Não
pira. Dormi como uma pedra. Acho que foi você quem sonhou’.
Nos últimos longuíssimos 120 dias (arredondando), foi essa a
sofrida rotina do físico brasileiro Odylio Aguiar, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que fez parte do grupo internacional que
confirmou, no início de fevereiro, as ondas gravitacionais que já tinham sido
previstas há cem anos pelo gênio Albert Einstein.
A vontade confessa era berrar ‘descobrimos! Elas existem!’ a
plenos pulmões e para todo mundo ouvir em setembro do ano passado, quando os
registros de ondas geradas pela fusão de dois enormes buracos negros foram
finalmente anotados pelos detectores do Observatório
da Interferometria a Laser de Ondas Gravitacionais (LIGO), instalados nos
estados da Louisiana e de Washington.
A fantástica descoberta, no entanto, precisou
virar segredo, tão duramente guardado durante esses meses, para evitar novas
decepções. Alarmes falsos e suspeitas depois não confirmadas sobre as ondas
gravitacionais tinham sido anunciadas outras duas vezes pela comunidade
científica internacional.
A angústia passou. Já era. Pode comemorar. O
trabalho foi publicado. Agora finalmente transformada em informação que
pertence à sociedade planetária, a novidade não mais secreta promete
revolucionar a Física e o conhecimento que temos sobre o Universo. É a ciência
que saborosamente se move no aconchego dos embalos de segredos.
E, cá entre nós, por favor, não contem para
ninguém, não espalhem... segredo nosso... quem garante que o Odylio não guarda
com ele novos segredos sobre estrelas, buracos negros, supernovas, matéria
escura, antimatéria e ondas gravitacionais? ‘Calma, calma. Muita calma nessa
hora. Só estamos analisando os dados’.
Originalmente publicado em http://ciencianarua.net/segredos/
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