O encanto pelas letras nasceu cedo, ainda nos tempos em que,
leitinho quente, pijama e cama, entre bocejos e antes do ‘boa noite, durma
bem’, meus pais contavam histórias de mundos fantásticos, príncipes, fadas, meninas
rebeldes, guerras e monstros. Criança, adorava escrever redações, mesmo quando
não eram pedidas pela professora. Cercado pelas estantes, cotovelos apoiados no
chão, mãos segurando o queixo, passava horas deitado no escritório do meu avô,
entre caçadas de onças com bodoques, viagens ao céu e visitas ao reino das
águas claras, embalado pelas invencionices maravilhosas de um tal José Bento
Monteiro Lobato. A paixão pelo futebol, suspeito, manifestava-se já nos chutes
de trivela na barriga da minha mãe, depois treinados à exaustão e aperfeiçoados
nas tantas peladas disputadas nos times de escolas, no clube, nas praças, nas
ruas, nas quadras de cimento, nos campos de areia e de terra batida, na sala do
apartamento (o gol era a janela). Peladeiro profissional não nega jamais um futebol
com os primos no quintal em ladeira da casa dos avós. Bicudinhos. Traves de
tijolos. A briga era para ver quem atacava para baixo. Era preciso também
driblar a casinha do cachorro (quase na linha de escanteio), a pitangueira e a
árvore de araçá, sempre traiçoeira, a deixar as frutinhas caídas esparramadas
pelo campo. Se a gente não tomasse cuidado, lá vinham escorregões e uns tombaços.
Futebol e literatura. Palavras e bolas. O ponto de encontro desses dois amores
– já que estamos no Dia dos Namorados? “Memórias de uma Copa no Brasil”. Filho
legítimo das redes sociais. Começou como diversão despretensiosa. Mesa-redonda
boleira virtual, a reunir amigos. Ganhou curtidas, comentários, retuitadas e
compartilhamentos. #publicachico. #chiconarradoroficialdacopa. Vem comigo. Vale relembrar. Sinfonia de
sotaques no metrô paulistano. Cidade fervilhando. Brasil estreia com vitória.
Fortaleza. Impressionante Costa Rica. Quanto está o jogo da França? Aeroporto. Esteira
das malas. Ônibus. Táxi. Trem expresso. Caminhadas. Que frio foi aquele no
Itaquerão? A Fúria foi embora mansinha. Luisito Suárez resolveu arriscar
beijinho no ombro do zagueiro italiano. Futebol moleque no saguão da
universidade. Sonho de menino. Estádios com os irmãos. Estádios com os filhos.
Messi, que golaço no Mineirão! Sofrimento nos pênaltis. Corrupção padrão FIFA.
Volume morto da famiglia FIFA. Sai prá lá, pé frio. Mandingas e rituais. Manos
boleiros. Não deu. Nem com a bênção dos deuses do futebol. Respira fundo, para
não escrever impropérios no texto de 8 de julho. Vaza, Marin! Leva junto o Del
Nero. Cinismo e arrogância. Confederação Brasileira de Falcatruas. Truculência
das PMs na repressão às manifestações. O dever de todo brasileiro é torcer pela
Alemanha na final. Um ano. Doze meses. 365 dias. 8.760 horas. Passou rápido
demais. “Memórias de uma Copa no Brasil”. #publicachico. Crônicas. As boas
histórias que só o futebol é capaz de revelar. Ironias e bom humor. Linguagem
leve, reflexões profundas. Papo informal e cúmplice entre escritor e leitor. Na
beira da piscina, hotel em Atibaia, férias de julho, ressaca copeira, entre a
lembrança amarga de um e outro gol da Alemanha, mensagem pisca na tela do
celular. “Chico, já pensou em publicar as crônicas num livro impresso?”. Um
minuto de silêncio, embasbacado. Euforia. #publicachico. Publiquei. O livro,
meu xodó. No lançamento numa noite chuvosa de 13 de dezembro, papai noel voando
com seu trenó sobre nossas cabeças, Bar São Cristóvão, mais de 300 amigos
reunidos, gente muito querida de todas as tribos – família, amigos do futebol,
amigos de infância, do cursinho, da faculdade, das escolas dos meninos,
professores, alunos, ex-alunos, amigos dos amigos. Transbordamento de afetos.
Papo boleiro bacana e animado no lançamento na Livraria Martins Fontes, em
fevereiro. Entrevistas para rádios, portais, sites especializados, jornais,
sorteios em programas de televisão. É de arrepiar a empolgação curiosa e
inteligente dos leitores mirins nas palestras que tenho feito em escolas, a me
receber sempre com muito carinho. “Assina o meu caderno?”. Claro, com prazer.
“Tira um foto comigo?”. Com certeza. “Você escrevia direto no computador? Era
um texto por dia? A linguagem é formal ou informal? Por que são parágrafos
longos? E as frases curtas? Qual a crônica que você mais gosta?”. Entrevistadores
implacáveis. Nota dez para todos. Aprovadíssimos. Com louvor. Maioridade
intelectual. Contra a redução da
maioridade penal. “Memórias de uma Copa no Brasil”. Acordei hoje com vontade
danada de correr para a avenida Paulista. Será que encontro os mexicanos, os
croatas, os holandeses, os argentinos, os chilenos, os camaroneses, os
ingleses, os costarriquenhos? “Soy Celeste”. “Ticos”. “En-gland!”. “Maradona es
más grande que Pelé”. “Chi-chi-chi-le-le-le”. Pulei da cama cantando
“OOO-EEE-AAA!”. Já pode dar palpite para o bolão? Brasil ganha de 7 x 1. Cravei.
Coloca a cerveja para gelar. Liga na ESPN Brasil. Em português, russo, inglês, francês, espanhol,
italiano, dialetos africanos, japonês, babel de sotaques, agradeço mais uma vez
e sempre a todos vocês, que me empurraram e abraçaram, que continuam a me
incentivar, fazendo de “Memórias de uma Copa no Brasil” um dos momentos mais
marcantes de minha vida. Sim, há um Chico antes de “Memórias” e outro Chico
depois de “Memórias”. São muito diferentes. Sem exageros. Gratidão eterna. Vem
mais por aí? Oxalá, tomara que sim. “Uma história se conta, não se explica”, já
escreveu Jorge, o Amado. E há tanta história boleira para contar, tanta
conversinha de futebol para registrar. Para além das Copas. #publicachico. A
gente se reencontra em breve, nas arquibancadas literárias ou nas estantes
futebolísticas da vida. #tamojunto. Abraços boleiros e fraternos do Chico
Bicudo.
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