Fazia muito tempo que não tinha insônia. Nem sou capaz de
dizer quando foi a última vez que contei carneirinhos, sem sucesso, e vi o dia
clarear, sem ter conseguido pregar os olhos. Pois nessa madrugada a maldita da
danada me pegou de jeito. Sem avisar nem pedir licença. Implacável. E tome
virar na cama, de um lado para o outro, setecentas e sessenta e oito vezes, sem
encontrar (nem passei perto) os caminhos de sonhos para alcançar os
aconchegantes embalos dos braços de Morfeu. Ariano é aquele sujeito que, além
de não fugir de briga alguma (está olhando por quê?) e de ter sempre fé na vida
(vai dar tudo certo, confia em mim), carrega consigo a deliciosa e teimosa
mania racional de achar que tudo pode controlar. E não pode? Olhando para o teto, braços cruzados atrás da cabeça, cidade
incrivelmente silenciosa, comecei a agendar, passo a passo, como vai ser o
sábado. Acordar, controlar a ansiedade, votar nas eleições do Santos, controlar
mais um pouco a ansiedade, almoçar, continuar controlando a ansiedade, tomar
banho, não esquecer de controlar a ansiedade, vestir o uniforme. Ansiedade. Nada de ficar
enrolando nos vestiários. O jogo começa seis em ponto. É importante chegar
cedo, com antecedência, para preparar as arquibancadas e respeitar os
convidados-torcedores. Quando o árbitro apitar e a bola começar a rolar, será
preciso ter muita técnica e disciplina, como ensina o hino do glorioso
alvinegro praiano, e ser ligeiro (para poder fazer tabelinhas e trocar passes
com todos os que lá estarão) e hábil (para agradecer, com palavras, autógrafos,
fotos e dedicatórias singulares os representantes das diferentes tribos e
torcidas que prometem marcar presença). Excepcionalmente,
por motivos óbvios, na arena padrão FIFA onde acontecerá a partida literária de
confraternização de final de ano – também conhecida como Arena Bar São
Cristovão – será permitida a venda de bebidas alcoólicas. Recomenda-se deixar
os carros em casa. 99 táxis pode ajudar.
O time treinou forte, o grupo está unido, vamos colocar em prática tudo o que o
professor pediu, o coração vai na ponta das chuteiras. Ousadia e alegria, muita
alegria, um sete a um (a nosso favor) de alegrias, numa noite que se anuncia
como inesquecível. O friozinho na barriga é inevitável. É decisão de
campeonato. Já enfrentei outras finais e lancei outros dois livros, é verdade, golaços muito queridos, a
sugerir reflexões sobre o fazer jornalístico e algumas contribuições sobre as
relações entre Saúde e Cidadania. Mas não posso negar – “Memórias de uma Copa
do Mundo” é especial. Aquele gol de placa, uma matada no peito e um sem-pulo no
ângulo. Porque é meu primeiro (de muitos, espero) livro de histórias. Trinta e
cinco crônicas que preservam um tanto do que foi o Mundial disputado por aqui.
Relatos de um torcedor, o universo boleiro – outra de minhas paixões – em cena,
em suas mais diferentes e fascinantes facetas. Ficção e realidade juntas e
misturadas. Fez o caminho inverso – legítimo filho das redes sociais, saiu
primeiro em formato digital, para então ter os direitos federativos e
econômicos generosamente adquiridos pela Chiado Editora, que abraçou o projeto
e fez nascer a tão sonhada versão impressa. Tornou-se possível graças aos bondosos incentivos dos leitores-torcedores, que fizeram tremular as bandeiras
e não pararam de cantar um minuto – “publica! Publica! Publica!”. E como o
mundo do futebol é marcado por mandingas e superstições (prometo seguir à risca
os rituais amanhã), devo lembrar que há exatamente vinte anos, numa
sexta-feira, 13 de dezembro de 1994, com as arquibancadas do auditório Freitas
Nobre da querida ECA/USP lotadas, explosão de afetos, defendi meu Trabalho de
Conclusão de Curso e me formei nas artes e ciências do Jornalismo. Naquele
mesmo dia, conheci a Elisa, amor da minha vida, eterna capitã da minha Seleção.
Bons presságios. Duas décadas depois, e agora já com Luiza e Daniel, joias das
categorias de base, oxalá outros universos narrativos, não necessariamente
jornalísticos, estejam a exigir e cobrar minhas letras. Um novo tempo de
escritas. Sei que todos já sabem, muitos já confirmaram presença. É ansiedade
de autor-atleta principiante. Reforço o convite – será imenso prazer poder
abraçá-los amanhã, no lançamento de “Memórias de uma Copa no Brasil”. De certa forma, Neymar, Messi, Cristiano
Ronaldo, Suárez, James Rodriguez, Robben, Feghouli, Navas, Kroos e tantos outros craques
estarão conosco. Os deuses do Himalaia, senhores soberanos e protetores do
futebol, também já compraram ingressos para a festa. Abraços e beijos e até lá (goooool da Alemanha...).
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