domingo, 3 de maio de 2015

SINAIS (E O VIGÉSIMO PRIMEIRO TÍTULO PAULISTA)

Vamos, moleque, vamos lá buscar essa taça. Vá lá, logo cedo, quando fiz o convite para o Daniel, quase uma intimação, a fala tinha muito mais jeito de preleção motivacional, vestiários e aquecimento, o pai que não quer ver o filho esmorecer. Nenhuma convicção de título. Vitória por dois gols não é fácil. Pauleira. Os dois times são equilibrados. Pênalti é loteria. Sofrimento. "Levanta e anda, vai", como canta Emicida. Fundinho de esperança. Porque o futebol é feito de sinais. Uma decisão, de infinitos sinais. Exatamente. Sinais. No domingo passado, quando Dudu estourou aquele petardo do pênalti no travessão da Arena Palestra, antigo gol das piscinas, Santos com um a menos em campo, comemorei. Comedidamente. Aliviado. Um trisco confiante, meus amigos e amigas boleiros e boleiras santistas. Uma decisão é feita de sinais. No comecinho da mesma primeira peleja, aliás, Arouca, santista de quatro costados, volante praiano de muitas glórias e conquistas, Paulistas e Libertadores, tinha deixado o campo, machucado. Sobe a placa. Substituição. Sinais. Aos que me perguntaram durante a semana qual meu palpite para a derradeira, em Urbano Caldeira, respondi: "a vantagem é verde. Não sei se perderam o título por conta do resultado magro na casa deles. Mas certamente deixaram de resolver a parada por lá. No Alçapão...". A galera palmeirense sentiu o baque. Saiu silenciosa e preocupada do estádio, uma semana atrás. Bom sinal. Outro. Hoje, lá fomos nós. #PartiuVilaBelmiro. Eu e o Dani descemos a Serra com as camisas da sorte. Com tradição boleira não se brinca. Ainda mais em final. No volante, pilotando a caravana, o amigo Zé, irmão santista que foi meu ombro e fiel escudeiro nos anos duros das vacas magras, quando o Santos era motivo de chacota na escola. Éramos os dois únicos santistas da classe. Resistimos bravamente.Trinta e cinco anos de amizade. Trinta e cinco anos correndo estádios atrás do Peixe. Na saúde e na doença. Na alegria e na tristeza. Juntos, arrisco dizer que faturamos 80% das finais que vimos, sem direito a margem de erro do Ibope ou do Datafolha. Temos agora a fiel companhia do pé quente Daniel (segura, Zé, o Joca vem na próxima). De casa, tensa, sem tirar os olhinhos da TV, a Lui manda bons fluidos. #TamoJuntoFilha. O almoço foi no Almeida, um dos mais charmosos e tradicionais restaurantes de Santos. O moleque estava uma pilha de nervos. Mudo. Respondia só com acenos de cabeça. E com sinais. Como deve ser numa final. Calma, filho, vai dar tudo certo. O time joga completo. Com Robinho. Com ele em campo, não perdemos. Uma final é repleta de sinais. File à francesa e cerveja gelada. Corta para Urbano Caldeira, sem mais delongas. Entra com o pé direito, Dani. Alçapão fervendo. Caldeirão. As cadeiras em que sentamos na semi contra o São Paulo estão vazias, Dani. Vamos nelas. Veio subindo um tiozinho com raminhos de arruda, não, galhos de arruda, não, quase árvores inteiras de arruda nas orelhas. Uma coroa romana, sem louros. Com arruda. Ave, César. O imperador é santista. Baita sinal. Boleiros e boleiras, o gol de David Braz foi na nossa frente. Vamos buscar a taça! Boleiras e boleiros, o gol do Ricardo Oliveira foi na nossa frente. Camisa nove. Daniel faz aniversário no dia 12 de maio. Hoje é 3 de maio. Faço as contas, bem rápido. Faltam nove dias. Camisa nove. Eu tinha dito que seria dele o gol do título. Foi o décimo primeiro tento do nosso centroavante no campeonato. Artilheiro do Paulista. Onze. Neymar Jr. O número da camisa que estou usando. Sinais. Muito sinais. Múltiplos. Evidentes. A taça. O time não desceu para os vestiários no intervalo - como naquele dezembro de 1995, quando num Pacaembu com energia que jamais vi num campo de futebol goleamos o Fluminense e avançamos à final do Brasileirão. Um maluco do lado me cutuca. Saca uma foto do celular. 'Mano, hoje de manhã deixei um chinelo estilizado de presente para o David Braz. É sério, olha só. Sabe como chama minha empresa? A Sorte. O primeiro gol foi dele". São muitos os sinais. O gol do Palmeiras também foi bem na nossa linha. Desse sinal eu não gostei. Dani desabou no choro, ameaçou não ver os pênaltis. De novo não, pai. Perdemos a decisão passada nas penalidades. Melhor também não lembrar desses sinais. Sai prá lá, azar de mico. Me dá a mão, filho. Vem cá. Vamos ver como no Brasil e Chile da Copa. A Vila enlouquece aos berros de 'é, Vladimir'. Ele era o goleiro reserva do Santos na final do Paulista de 2014, aquela em fomos derrotados nos pênaltis pelo Ituano. O arqueiro alvinegro titular era o Aranha. Que agora está no Palmeiras. Opa, os bons sinais voltaram. Vamos levantar essa taça. As três primeiras cobranças do Santos foram feitas por zagueiros. Escolhas arriscadas. Os três fizeram. Ousadia e alegria. Vladimir! Travessão! O Verdão perdeu duas. Só mais umazinha e a taça vem. As fileiras próximas viram-se todinhas para o Daniel. Solidárias. Garoto, é agora. Porra, você merece, peixinho. Sofreu prá cacete. Vai ser para você. Agora você vai chorar de novo. Mas vai ser de alegria. Presta atenção. De relance, meio sem querer, bato o olho nas nossas cadeiras. Fileira L. De Lucas. Lucas Lima. Duas vezes L. Camisa 20. Duas vezes 10. Pelé. O Rei. Eterno. Que abundância de sinais, minha gente! Não dá para perder o título com esse transbordamento de sinais! E, gol, gol, gol, gol, a taça é nossa! Nem sei quantos torcedores correram para pular e abraçar o Dani. Virou mascotinho, o símbolo da conquista. Distribuiu cumprimentos. Abraçou e tirou selfies com muita gente. Rapaz, com sua permissão, essa foto com ele é para guardar lá em casa, esse é santista, me disse um dos tantos anônimos em êxtase. Ligamos para a Lui, para comemorar, tão logo o sinal do celular deu o ar da graça. Sinais que atrapalham. Mas é preciso ligar. Com tradição não se brinca. Campeões mais uma vez, filha. Faixa no peito (não pudemos trazer a taça, lamentavelmente), voltamos pela avenida da praia. Itararé, já em São Vicente. Ali eu cresci. Lá vai um menino magrinho, canelas finas, correndo com a bola à beira mar. Dribla um, dribla outro, pára, levanta a cabeça. Achei que era eu. Infância. Adolescência. Molecagens. Futebol na areia. Putz, quanta história para contar. Zé, nessa praia, a gente passou boa parte das nossas vidas. Chico, nessas areias a gente passou uma parte muito boa das nossas vidas. Saudades. Vermelho. Sinal fechado. Aproveitei para abrir o vidro do passageiro. Deixei o vento salgado e molhado bater bem de leve no rosto. Cheiro e gosto de de seis, dez, quinze, dezoito anos. Quarenta e três anos. Sinais. Verde. O sinal abriu. Estrada, voltando para São Paulo. Palpites para o Brasileirão? Sei lá. Vou prestar atenção. Nos sinais. Exatamente. Falo nada. Só observo. Enquanto isso, com licença, vou lá comemorar com a Lui e com o Dani a taça que prometi que a gente ia levantar.                  

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