sexta-feira, 21 de novembro de 2014

OS MINISTROS DE DILMA

Embora a tragédia já tivesse sido anunciada, a confirmação de Katia Abreu como Ministra da Agricultura é uma lástima. Péssima notícia. 

E, se forem mesmo oficializados os demais nomes que estão hoje sendo anunciados pelos jornalões, Dilma parece querer repetir o desenho ministerial do primeiro mandato do governo Lula (2003-2006).

Em 2003, o ex-presidente usou a área econômica (Antonio Palocci na Fazenda + Henrique Meirelles no Banco Central), a Agricultura (Roberto Rodrigues) e o Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Luiz Fernando Furlan) para agradar os empresários, dar satisfações ao reizinho mandão mercado e apresentar-se aos investidores como uma administração confiável, cumpridora dos contratos. 

Para os chamados ministérios sociais, foram chamados políticos que pudessem colocar em marcha as políticas públicas de distribuição de renda e inclusão: Educação ficou com Cristovão Buarque; Cidades, com Olívio Dutra; Assistência e Promoção Social, com Benedita da Silva; Meio Ambiente, com Marina Silva; Desenvolvimento Agrário, com Miguel Rosseto; Trabalho, com Jaques Wagner; Minas e Energia, com Dilma Rousseff; Saúde, com Humberto Costa; e Previdência, com Ricardo Berzoini. 

Além disso, os Direitos Humanos, além de Ministério específico (Nilmário Miranda), foram contemplados também com a Secretaria de Políticas de Igualdade Racial (Matilde Ribeiro) e com a Secretaria de Direitos da Mulher (Emilia Fernandes). Ao fazer essa opção, Lula levou a 'luta de classes' para dentro do governo, como já observou o cientista político André Singer, em suas análises sobre o lulismo. Ortodoxia econômica versus desenvolvimentismo. Muitas disputas - algumas delas acirradíssimas - colocavam em pólos opostos ministros do mesmo governo. Lula arbitrava e mediava esses confrontos. 

Doze anos depois, minha impressão inicial é que Dilma deseja apostar na mesma estratégia. Fazenda (Joaquim Levy), Planejamento (Nelson Barbosa), Agricultura (Katia Abreu, argh...) e Desenvolvimento (Armando Monteiro) são os presentes entregues ao mercado. O preço que deve ser pago para tentar fazer o país continuar avançando na área social, de acordo com a avaliação da presidenta (e também do ex-presidente, obviamente, que certamente tem forte participação nessas escolhas. Os dois trocaram muitas figurinhas nos últimos dias). Em contrapartida, espera-se um cenário menos instável e/ou sujeito a especulações. Apenas na expectativa do anúncio dos nomes, a bolsa de valores de São Paulo subiu hoje 5,02%, e o dólar registrou queda de 2%, fechando perto de R$ 2,50. Dilma e Lula devem ter comemorado. 

Se meu raciocínio político estiver correto, a presidenta terá reservado novamente a área social para ministros que tenham competência, experiência, habilidade e jogo de cintura para superar os desafios e inaugurar um novo ciclo de políticas públicas e de distribuição de renda. Aqui, Dilma deve fazer acenos evidentes às esquerdas, aos setores progressistas da sociedade. Por fim, os ministérios da chamada cota política (Casa Civil e Relações Institucionais, por exemplo) devem ser destinados a pessoas da mais absoluta confiança da presidenta, com bom trânsito com o Congresso e capazes de fazer da Reforma Política uma prioridade. Não é por acaso que Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, é um curinga que pode aparecer em diferentes pastas dessa natureza. 

Meus poréns e ressalvas: a conjuntura política é hoje gigantescamente diferente daquela vivida no início de 2003. Dilma enfrenta um cenário muito menos amistoso, com muitas turbulências, uma oposição que garante que não vai lhe dar tréguas, a mídia grande atuando de maneira implacável para desestabilizar o governo, além de cretinos ressentidos que, insuflados por discursos de ódio, ocupam as ruas para pedir impeachment e golpe. Lula tinha um capital político (a novidade, a esperança, a mudança) e uma paciência social para esperar que Dilma não terá. Para ela, é aqui e agora. A presidenta está longe também de manifestar a habilidade de negociação encarnada pelo antecessor. Conseguirá mediar os conflitos que vão explodir no interior do governo? Vale lembrar, como bem já ressaltaram intelectuais como o filósofo Vladimir Safatle, que o modelo lulista já deu sinais de esgotamento. Não é mais possível garantir inclusão apenas via ampliação do consumo. Será preciso radicalizar. Dilma vai bancar essa inflexão? 

Por fim, e não menos importante, Dilma conseguiu sair vitoriosa na eleição, depois de um segundo turno duríssimo, exatamente porque os movimentos sociais e populares e as forças progressistas e de esquerda assumiram, inclusive nas ruas, a responsabilidade histórica de reelegê-la, para escapar da tragédia do retrocesso representado pela outra candidatura. Sem tergiversar, para usar uma palavra cara à presidenta: Dilma só foi reeleita porque foi abraçada, na reta final, pelas esquerdas. Como vai agora, ministério sendo montado, dialogar com essas forças políticas? As esquerdas ficarão satisfeitas com esse desenho ministerial? O que o MST e os indígenas, por exemplo, vão dizer de Katia Abreu na Agricultura? Repito - uma lástima. Até porque a ruralista deverá ser protagonista do segundo mandato.

Por ora, Dilma fez agrados ao mercado e aos conservadores do latifúndio. É mais do que momento de acertar as contas políticas com quem deu a cara a tapa durante a campanha e que verdadeiramente representa a base social de apoio do segundo mandato. Alimentada pelo antecessor e guru político, a presidenta parece querer resgatar uma estratégia de governabilidade que pode ter dado certo em outros tempos, mas que, por conta das andanças e mudanças do bonde chamado História, é uma roupa que já não nos serve mais. A hora é de tensionar, marcar posição, não de acomodar. As urnas indicaram o caminho.

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