sexta-feira, 22 de agosto de 2014
CAMINHANDO COM AS PRÓPRIAS PERNAS
A mensagem pipocou e iluminou a tela do celular no final da manhã. “Posso ir a pé e sozinha para a aula de agora à tarde?”. Truco. E não tenho cartas na mão. Fui pego de surpresa. Primeira vez. Vá lá, já zanzou sozinha aqui pelas redondezas, mas foram sempre distâncias curtinhas, saídas breves. Treinos. Seria a primeira aventura pedestre tão ousada. Será? “É muito longe, filha”, respondi. Sem convicção. Bobagem. Só para ganhar tempo. Sabia que ela insistiria no assunto. Conheço a fera. Só estava cobrando a fatura daquilo que estamos conversando nos últimos tempos – autonomia, independência, confiança. Cresceu. É mocinha. Desafios novos. Estaremos sempre, sempre por perto. Mas tem um novo mundo aí para você. Vá lá, desbravá-lo. Bonita fala. Mas agora é para valer. Truco. Nem bem tinha entrado em casa para o almoço, volta das aulas da manhã, bateu de novo na tecla. “Viu minha mensagem? Quero ir sozinha agora à tarde. Posso?”. Saída estratégica leão da montanha pela esquerda, ainda acusando o cruzado de direita no queixo, saí do corner, quando o árbitro já ameaçava abrir contagem para o nocaute, e ofereci solução intermediária. “Daqui até lá não dá, é uma boa pernada, como escrevi. Mas te deixo ali perto, naquela esquina onde normalmente a gente pára. Dali, você segue sozinha. E eu vou para a universidade”. Topou sem piscar os olhos. Com sorriso de conquista no rosto. Que se cumpra o combinado. Guardou o celular? Fechou a bolsa? Anda sempre com ela na frente do corpo, tá?. Atenção aos sinais, certo? Espere o verde de pedestres. Atravesse sempre na faixa. Linha reta. Sempre atenta. Cuidado. Ela logo percebeu que a lista seria infinita. Talvez fosse uma última tentativa de adiar aquele momento. Vai que ela desiste. Nada. Pode deixar, pai. Fique sossegado. Confie em mim. Ainda teve tempo de me fazer delicioso carinho no ego. Que aula você dá hoje, pai? Pois você vai ter de esperar eu passar na faculdade. Porque quero ter aulas de Teoria Literária com você. Agora sim, nocaute. E ainda ganhei um beijo! Nocaute duplo, implacável. Bateu a porta do carro. Lá foi ela, lindíssima, botas novas, boina na cabeça, cachos esvoaçantes. Ainda a vi caminhar por uns cem metros, mirando o espelho retrovisor. Até sumir do meu ângulo de visão. Respirei. Acelerei. Liguei o rádio, como sempre faço, para ouvir notícias. Zero de atenção. Não sou capaz de lembrar de qualquer fala da âncora, dos repórteres. Só fazia olhar para o relógio do celular. Contava os minutos e tentava imaginar onde ela estaria. Atravessando a avenida. Descendo o ladeirão, agora. Isso, virando na curvinha. Cinco minutos. Cheguei a discar para o celular dela. Cancelei. Caramba, já deu tempo. Parei num farol. Dez minutos. Pintou mensagem no zapzap! Ufa... Pai, cheguei bem. Engatei a primeira marcha, aliviado. Orgulhoso. Ri de mim mesmo. Foi só a estreia.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Os filhos crescem mas as preocupações dos pais nunca terminam.Até hoje você e seus irmãos ouvem:"cuidado","avisem tão logo cheguem em casa;cuidem-se....Hoje foi a Luiza, amanhã o Daniel e a vida segue.Tomem cuidado, meus netos.Sigam em frente: o mundo é de vocês.beijos e...cuidem-se !!! Vovô Chico.
ResponderExcluir