terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ROLEZINHO É O NOVO PESADELO DOS REACIONÁRIOS

O horror escancarado nos olhares e nas reações do andar de cima diante dos rolezinhos que estão acontecendo nos shopping centers de São Paulo não vem à tona apenas por conta do incômodo, da zoeira, do barulho desagradável, da gritaria, do "meu direito ao sossego e do poder passear tranquilamente com minha família". Lamento, esse é um discurso pretensamente tolerante, quase cínico, com verniz de civilizado, mas que soa falso, porque serve para esconder fraturas sociais profundas e um esgoto bem mais fétido. A repulsa violenta aos rolezinhos significa asco de classe. É preconceito. Racismo. Culto ao gueto, ode ao apartheid, apreço inconteste por uma sociedade "limpinha". É nojo da cor, das roupas, dos sotaques, das gírias, das aparências, dos cabelos, dos cheiros, do suor daqueles que agora ousam profanar palácios que até então pareciam inacessíveis a essa gente tão desagradável. É a expressão cabal de uma vontade incontida e histérica de não se misturar com aqueles que "são menos, que valem menos, que podem menos", com essa horda de bárbaros abrutalhados e ignorantes, um bando de broncos, a plebe que resolveu agora, de forma ousada, ultrapassar as fronteiras de papeis sociais historicamente já definidos. É a paúra provocada pelos diferenciados. Os "escolhidos" não querem em hipótese alguma dividir espaços com essa gentalha. Sentem-se, os reacionários, ameaçados, desprotegidos, à mercê dos godos, visigodos e ostrogodos. Ficam apavorados. Reagem com violência, a clamar pelos cassetetes, balas de borracha e gás lacrimogênio. Exigem a volta da "ordem" - não só a ordem em oposição à baderna, mas sobretudo a ordem do "eles lá, a gente aqui, bem longe". Fronteiras claramente estabelecidas e respeitadas. E que esses jovens abusados voltem a ser encurralados, escondidos e perseguidos nas periferias, onde o que acontece não interessa. É o mesmo sentimento que se manifesta quando os endinheirados se mobilizam para recusar estação de metrô em seus bairros - porque vai enfeiar a paisagem, vai embrutecer o entorno, vai trazer miséria e criminalidade. É a mesma mentalidade que deseja ver bem longe abrigos para moradores de rua e que apoia com entusiasmo as rampas com pregos e água gelada, contra os mendigos. É a mesma postura que reclama dos aeroportos lotados, que se transformaram em insuportáveis rodoviárias, um absurdo. É a mesma visão de mundo que vocifera contra a abertura de parques públicos à noite, porque vão se transformar em antros de marginais. É a mesma intolerância soberba que defende que as lojas deveriam oferecer produtos diferentes para ricos e para pobres, que pessoas mal vestidas deveriam ser barradas em estabelecimentos ditos nobres. No shopping JK Iguatemi, no último sábado, os policiais militares que controlavam os acessos não perguntavam inocentemente, com educação, "ei, você vai fazer barulho? Vai gritar? Vai incomodar os outros?". A triagem, arbitrária e impressionista, higienista, era marcada por evidente viés socioeconômico - branquinhos bem vestidos passam, escurinhos maltrapilhos ficam. Só faltou pedir holerite, limite do cartão de crédito, comprovante de renda no banco, olhar as etiquetas das roupas, dizer 'eu sei para onde você viajou no verão passado'. Não, não é apenas para escapar de 'algazarra adolescente'. A proibição dos rolezinhos - com liminares e forte aparato policial - deseja singelamente (e nada sutilmente) lembrar à senzala qual é parte que lhe cabe neste latifúndio.

8 comentários:

  1. Concorda que você dizer que há um racismo simplesmente porque pessoas querem passear tranquilamente - não interessa se o grupo é formado por funkeiros, pagodeiros, roqueiros, pretos, brancos, ricos pobres - e não são obrigadas a ouvir bagunça generalizada, é um exagero? Não seja hipócrita, todo mundo sabe que jovens aglomerados são, por natureza, chatos e gostam de brincar com tudo e com todos. Isso é violar o direito do próximo. Mas é muito conveniente, para quem não pode perder uma oportunidade de criticar o reacionarismo (que eu também odeio), usar esse fato como demonstração de preconceito. Ok, sabemos que muitos adoram proferir bobagens e com essa onda de rolezinho, alguns comentário preconceituosos foram aflorados e ditos a torto e a direito. Mas o fato é que o rolezinho é totalmente desnecessário, chato para TODOS e não pode ser caracterizado como racismo com tanta certeza assim. Você, que eu imagino que seja professor, deve saber melhor que ninguém como o adolescente pode ser insuportável quando está em grupo, e isso não depende da classe. Se tiver filhos, sabe que estes, por mais educados que sejam, às vezes passam dos limites, principalmente quando estão com amigos. Isso não é uma questão social, é uma questão humana. Às vezes não irrita? Seja o rico ou o pobre. Então é hora de refletir com mais prudência, sem usar o rolezinho como ataque direto à nossa sociedade reacionária e elitista. Sabemos que isso existe e é triste, mas, nesse caso, não se configura. Não mesmo! Espero ter contribuído à discussão. Abs.

    Antonio de Freitas

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    1. Contribuiu sim! Apesar de seu esforço de vinte linhas para se declarar em cima do muro, gastamos apenas duas para perceber de que lado você está.

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    2. Não entendi, Paulo! Poderia me explicar melhor? Acho que deixei clara minha opinião, não fiquei em cima do muro. E se puder me dizer sobre quais linhas se refere, me ajudaria a entender seu comentário. Obrigado!

      Antonio de Freitas

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  2. Assista até o fim, por favor: https://www.youtube.com/watch?v=X7LtIRj9v68#t=281

    Grato

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  3. Não concordo com você!! a questão não é que sejam ricos ou pobre, brancos ou negros, e sim jovens que se juntam para fazer baderna, roubar e fazer outras atrocidades, essa é a questão!! Falta EDUCAÇÃO, isso vc não frisou!!!

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  4. Ainda não, mas isso ainda irá se transformar num monstro.

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  5. Ainda não se tornou, mas isso ainda se tornará um monstro, um verdadeira marcha social.

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  6. Todas as vezes que um acontecimento novo surge, também os sociólogos de plantão se arvoram em definidores das causas e consequências. Para mim, não importa que classe social pertença ou de que grupo étnico você faça parte, de que faixa etária, baderna é baderna! Eu não saio com os meus amigos, meus familiares ou sozinho, para ser incomodado pelo desrespeito. Eu reconheço que adolescente é uma faixa complicada de afirmação do seu caráter e de sua presença no contexto social. Agora, falta de educação é falta de educação mesmo. Não tem nada a ver com condições sócio-econômicas. Eu já vi, e com mais frequência vejo, jovens e adolescentes, membros de classes sociais economicamente mais favorecidas, serem extremamente inconvinientes e mal-educados. Baderna e rouba não podem ter outro nome. Desrespeito não pode ser defendido. Se há uma progressiva inclusão social neste país, que bom. Até os senhores membros das classes burguesas devem gostar desta inclusão social: está aumentando o mercado consumidor. Há nitidamente um conteúdo ideológico em todas as manifestações sociais. Não há manifestações expontâneas quando você é chamado pelas redes sociais a participar de um determinado evento. E não há movimentação social sem um determinado líder, seja pessoal ou coletivo. Nada é sem uma determinada causa e sem um determinado objetivo. Então não tornemos vítimas quem neste contexto não é vítima. Se eu estiver num lugar deste e gente tirar o meu socêgo, eu sou a vítima.

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