domingo, 3 de julho de 2011

A FAMIGLIA FIFA





A missão dos jornalistas investigativos é causar problemas e perturbar os políticos e os poderosos - e não querer ser amiguinho deles ou tirar fotos com eles. A afirmação foi feita pelo britânico Andrew Jennings, repórter da BBC de Londres que tem atuado como um perdigueiro astuto e implacável, sempre atento a rastros e pistas de falcatruas e negociatas que possam ter sido praticadas por altos dirigentes da FIFA. Para ele, esse tipo de matéria exige invariavelmente uma combinação de paciência e persistência. É preciso respeitar o tempo, fazer perguntas, juntar peças - e  refletir sobre elas, com tranquilidade e sem afobação. "Não se deve correr para publicar o texto. Quanto mais informações e documentos você conseguir acumular, melhor será sua análise. A principal pergunta a ser feita é: consigo entender o que está acontecendo?", destacou, em palestra realizada no último dia do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, organizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

O britânico contou que precisou conquistar a confiança de diferentes fontes e que demorou nove anos para obter documentos (que ele exibiu no telão, durante a palestra) que provavam que Nicolás Leoz, presidente da Confederação Sul-americana de Futebol (Conmebol), tinha recebido, em várias parcelas, recompensas financeiras polpudas oferecidas pela ISL (International Sports and Leisure), empresa suíça gigante de marketing esportivo que foi à falência no início da década de 2000. Jennings usou também como exemplo a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do futebol brasileiro, concluída no Congresso Nacional em 2001, e que apontou a existência de relações para lá de suspeitas entre o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, e uma empresa laranja chamada SANUD. "Em investigação paralela, consegui revelar que o dinheiro era da ISL, passava pela SANUD e chegava então a Teixeira, que o recebia em Liechtenstein. Fechei o circuito, constatando que, em aproximadamente uma década, o brasileiro abocanhou quase dez milhões de dólares", lembrou o autor de "Jogo Sujo - O mundo secreto da FIFA", sempre exibindo documentos. Ele completou: "Esses sujeitos são arrogantes, acham que jamais serão pegos. Mas sempre há uma ex-mulher, uma amante, um escorregão, um deslize. As pistas aparecem". 

Um dos momentos que despertou máxima atenção da plateia aconteceu quando Jennings falou sobre a investigação a respeito da falência da ISL que corre atualmente na Suíça, na cidade de Zug, em segredo de justiça - e que já teria confirmado pelo menos os nomes de dois peixes graúdos do futebol mundial e bastante conhecidos do público brasileiro agraciados com as benesses milionárias em dólar oferecidas pela empresa falida de marketing esportivo. "A lista não pode ser divulgada. Mas eu sei quem eles são", disse Jennings, novamente exibindo documentos com mensagens cifradas que mostravam altas somas financeiras destinadas a B2 (que seria Ricardo Teixeira) e R (que seria João Havelange). Para manter o segredo, o atual presidente da CBF e o ex-presidente da FIFA teriam inclusive feito acordo com a justiça suíça, devolvendo a bagatela de  quase dez milhões de reais, em troca justamente da não divulgação da verdade. "Acabaram reconhecendo que receberam suborno. Incrível! E ainda há no Brasil figuras como o atual ministro dos Esportes que dizem que não há investigações envolvendo os dois dirigentes". 

O e-mail de Jerome Valcke, secretário-geral da FIFA, que acabou vindo à tona, tornando-se público e escancarando que o Catar teria comprado os votos de delegados da entidade para garantir a realização da Copa do Mundo de 2022 naquele país do Oriente Médio foi outro episódio recente analisado por Jennings. Nesse caso, a pergunta que não quer calar é: se Valcke admitiu a falcatrua, por que raios não foi demitido? O jornalista da BBC apresentou então no telão correspondências enviadas pelo secretário-geral ao presidente da FIFA, Joseph Blatter, sugerindo como quem nada quisesse que era conhecedor profundo de muitas das sacanagens cometidas pela entidade. "Valcke faz chantagem, ameaça Blatter. Por isso não cai". Em tempo: Valcke é aquele mesmo que faz o discurso do "está tudo atrasado" quando se trata das obras para a Copa de 2014 no Brasil. "É uma emboscada, porque aí entram em cena as construções aceleradas, as dispensas de licitações, os contratos aditivos e o desvio de verbas", advertiu Jennings. 

Como última sugestão, Jennings lembrou que as investigações devem sempre ter o sentido da História, para que se possa compreender quem são as pessoas, qual era o norte delas em outras épocas e de onde vieram. Citou como exemplos o ex-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Juan Samaranch, franquista de carteirinha envolvido em diversos casos de corrupção e de compra de votos quando comandou o órgão, e Julio Grondona, presidente da Associação Argentina de Futebol (AFA), também envolvido em escândalos, e que manteve relações muito próximas e prósperas com a ditadura militar argentina (dispensável lembrar as condições da primeira conquista dos hermanos em Copas do Mundo, em 1978, quando a competição aconteceu na própria Argentina, e quando a vitória era fundamental para as pretensões do regime de terror lá instalado. Os seis a zero no Peru de Quiroga que o digam...). 

"Conhecer a trajetória dessas pessoas é fundamental. Ah, e parem por favor de seguir as celebridades em seus iates e nos ajudem a seguir Ricardo Teixeira", pediu por fim Jennings aos jornalistas brasileiros. 

3 comentários:

  1. Bom, Chico, faz tempo que não me atualizo sobre o assunto mas, me corrija se eu estiver errado em algo. A ISL pagava propina às entidades para receberem preferência na compra dos direitos de transmissão de campeonatos. Esses, por sua vez, eram repassadas por valores maiores às emissoras de televisão, compensando o valor gasto na aquisição desses direitos.

    Eu penso o seguinte, a mentalidade dos nossos dirigentes ainda é muito pequena. Penso que clube nenhum deveria se submeter às regras dessas entidades. Essas entidades só existem porque os clubes deixam. Afinal, os clubes são os principais responsáveis pelo espetáculo.

    Eu até gostei dos clubes terem desvencilhado com o Clube dos 13 e estarem negociando separadamente os direitos de transmissão com as emissoras. Isso mostra que não há a necessidade de um órgão representando os interesses dos clubes. Os direitos de transmissão na Espanha são negociados separadamente e não vejo problemas com os clubes de lá.

    Por sinal, essa atitude abre até uma brecha para a livre concorrência entre as emissoras. Mesmo que os clubes ainda tenham uma certa desconfiança em assinarem contrato com a Record.

    Enfim, onde eu quero chegar com isso é que a licitação vencida pelo Clube dos 13 para adquirir os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro praticamente foi quebrada. Eu vejo como uma excelente quebra do monopólio exercido pelo Clube dos 13/CBF.

    Mesmo que as emissoras tenham que se entender mais pra frente, caso a Globo detenha os direitos de transmissão dos jogos do time X, mas irá enfrentar o time Y que tem os direitos de transmissão veiculados com alguma outra emissora. Eles que se entendam mais pra frente.

    Enfim, O CLUBE É O PRINCIPAL ESPETÁCULO DA FESTA E NÃO ESSES ÓRGÃOS QUE FINGEM REPRESENTÁ-LOS, mas servem apenas para arrecadar dinheiro, principalmente com amistosos estúpidos que a seleção faz, e de nada ajudam para desenvolver o esporte e, principalmente, criar um vinculo com a educação no nosso país.

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  2. Fernando, é isso mesmo, a ISL era beneficiada com contratos vantajosos - promoções, placas de publicidade, direitos de transmissão. Tomo a liberdade de discordar de você num ponto específico: penso que a negociação "clube a clube" infelizmente serviu para reforçar o monopólio e o poder da dupla TV Globo-CBF. Muito obrigado pela leitura e pelo comentário. Passe sempre por aqui. Abraço!

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  3. Mas, essa quebra ao menos proporcionou a condição das outras emissoras de fazerem as suas propostas aos clubes, não é mesmo? Por exemplo, a Record ofereceu um contrato bilionário aos clubes de massa, Corinthians e Flamengo. Infelizmente eles não quiseram por acharem que na Globo teriam mais visibilidade, arrecadariam mais com publicidade, etc. Fora o fato de que, de acordo com o que eu li em sites/blogs, eles também não queriam ter o nome relacionado à Record por conta do envolvimento da emissora com dinheiro ilícito vindo de fiéis da Igreja de Bispo Macedo. É uma opção dos clubes, a Record não deixou de oferecer a sua proposta.

    Acredio que isso ainda poderá possibilidar a quebra do monopólio da Globo. Espero que seja apenas questão de tempo.

    Em suma, além da proposta bilionária pelo contrato oferecido pela Record, me lembrei também que, pelos planos da emissora, eles queriam alterar o horário dos jogos noturnos no meio de semana. O que, na minha opinião, seria bastante vantajoso para os clubes, já que os jogos geralmente terminam absurdamente tarde prejudicando as pessoas que trabalham no dia seguinte. Acredito que essa seria uma condição muito boa para os clubes, ajudaria a trazer mais torcedores no estádio e acredito que haveria inclusive um favorecimento maior com os patrocinios.

    Acredito que foi um ponto positivo apresentado pela emissora, mesmo que os clubes não tenham assinado.
    Enfim, acredito que ao menos uma fresta foi aberta para novas possibilidades. Pode não ser agora, mas cedo ou tarde poderá acontecer.

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