domingo, 12 de junho de 2011

LULA, DILMA E O DATAFOLHA

Em junho de 2003, cinco meses após a posse e ainda embalado pelo fato de finalmente a “esperança ter vencido o medo”, o então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva tinha seu governo avaliado como “ótimo ou bom” por 42% da população, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha (2.630 pessoas entrevistadas, em 152 cidades); 43% consideravam a primeira administração petista como “regular” e 11% diziam que o governo era “ruim ou péssimo”.


De acordo com o levantamento, a aprovação maior do governo Lula se dava entre os estudantes (49%), aposentados (47%) e funcionários públicos (46%). Ficava também acima da média nacional entre os moradores da região Sul (49%), moradores do Norte e Centro-Oeste (47%), homens (46%) , jovens com entre 16 e 24 anos (46%) e entre os com nível superior completo (45%).

Já era possível notar naquela fotografia um otimismo razoável em relação à economia – 35% acreditavam na queda da inflação; 41% vislumbravam diminuição nas taxas de desemprego; 37% estimavam que o poder de compra dos salários iria subir e 55% esperavam melhoria geral no cenário econômico do país.

Neste domingo, 12 de junho, também cinco meses depois da posse da Presidenta, o Datafolha (2.188 entrevistados) mostrou que 49% dos brasileiros avaliam como “ótimo ou bom” o governo de Dilma Rousseff (eram 47% em março); para 38%, a administração é regular e 10% dizem que é “ruim ou péssima”. Em relação às expectativas manifestadas sobre a economia, os números soam contraditórios: 51% acreditam em alta da inflação e 32% temem aumento do desemprego; no entanto, a taxa dos chamados otimistas ainda é elevadíssima, pois 42% confiam que o cenário econômico geral vai melhorar e outros 37% (somando portanto 79%) acreditam que ficará como está.

A primeira constatação que salta aos olhos é óbvia: quando considerados os mesmos períodos (cinco meses depois das posses), a aprovação de Dilma é sete pontos percentuais superior àquela conquistada por Lula (49% x 42%). Como alerta com muita pertinência Diego Calazans, que se define como um “sócio-comunicólogo em formação”, em breve diálogo que travamos pelo twitter, boa parte desse capital político dilmista ainda pode ser constituído pela memória do governo Lula, o mais bem avaliado da História, tendo passado a faixa presidencial à sucessora com mais de 80% de aprovação popular, um recorde.

No entanto, em favor de Dilma, é preciso lembrar que, em seus primeiros 150 dias, Lula nem de longe viveu as agruras e o inferno de crises enfrentadas pela Presidenta (disputas na base aliada, fogo amigo, caso Palocci, derrota na votação do Código Florestal, PMDB cada vez mais faminto). Em tese, essas dificuldades – cada uma e todas elas – tinham potencial expressivo para abalar ou reduzir sensivelmente a popularidade de Dilma, o que parece não ter acontecido (aliás, para desespero da Folha de São Paulo, que não se conteve, não conseguiu esconder a decepção e estampou em manchete: “Dilma mantém aprovação, apesar de Palocci e inflação”).

Trocando em miúdos: Lula continua a ter sua contribuição, mas parece ser cada vez mais evidente e palpável que o julgamento que a população faz é do governo Dilma – para o bem e para o mal – e seria até mesmo injusto escantear ou menosprezar a participação da Presidenta na construção desses índices de aprovação (novamente, com todos os riscos envolvidos). Já existe, penso, uma percepção bastante razoável do que é o jeito Dilma de governar.

Outro viés importante a avaliar, muito bem destacado também no twitter pelo companheiro Fabio Silvestre, jornalista e professor universitário, é a conjuntura econômica vivida pelo país. Apesar mais de boatarias que de evidências (e, nas alcovas petistas, não são poucos os que garantem que a tese foi fortemente estimulada por “companheiros” interessados no enfraquecimento do ministro Guido Mantega), a inflação, depois de ligeira variação acima da meta estipulada, já dá sinais de arrefecimento.

Enquanto outros países (a lista é imensa: Espanha, Portugal, Grécia, Irlanda, Estados Unidos, Egito...) continuam mergulhados nas consequências nefastas da crise econômica de 2008/2009, o Brasil segue firme seu rumo, até aqui em céu de brigadeiro. Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5% (taxa chinesa!), o que fez o país ser alçado à condição de sétima potência econômica do planeta, superando a Itália. Também em 2010, foram criados quase três milhões de novos empregos formais, outro recorde histórico.

Aqui, e novamente para tentar entender as aprovações de Lula e de Dilma com cinco meses de governos, vale a pena também comparar os cenários econômicos herdados. Lula, além de naquele momento inicial ainda lidar com a desconfiança dos mercados e das classes sociais mais baixas (em 2002, a eleição foi sustentada pelas classes médias, como defende o cientista político André Singer no artigo "Raízes sociais e ideológicas do lulismo"), recebera também um país destroçado. Nos anos FHC, o risco Brasil chegou a 2.700 pontos; o salário-mínimo era de 78 dólares; os créditos populares representavam apenas 14% do Produto Interno Bruto (PIB); em oito anos, foram criados cinco milhões de empregos; em 2002, a taxa de desemprego era de 12,2%.

Dilma assume certamente outro país: risco Brasil de 200 pontos; salário-mínimo de 210 dólares; créditos populares da ordem de 34% do PIB; 15 milhões de empregos formais gerados em oito anos, com 28 milhões de brasileiros tendo saído da linha de pobreza, e o consequente advento das chamadas novas classes médias; taxa de desemprego de 6,8% e o Brasil reconhecido no jogo das relações internacionais como um “global player”. Faz toda a diferença.

O que pretendo sugerir: depois de passar pelas mais diferentes experiências políticas e ideológicas (nacionalismo, desenvolvimentismo, ditaduras, neoliberalismo, lulismo), a população parece fazer o seguinte cálculo e análise: “disputas e crises fazem parte da política, independentemente dos partidos no poder. E quem afinal é capaz de garantir a melhoria efetiva da qualidade de vida para o conjunto da sociedade?”. No limite, como novamente lembra Fabio Silvestre, estão a consagrar o slogan democrata usado pela campanha de Bill Clinton, em 1992, quando derrotou George Bush pai: “é a economia, estúpido!”.

Sem desmerecimentos ou desqualificações, muito ao contrário: é uma avaliação legítima, com forte viés pragmático, certamente, mas ao mesmo tempo com considerável e respeitável grau de consciência política, pois considera os impactos sociais que as políticas econômicas conseguem oferecer. Ao analisar a escolha majoritária dos nordestinos por Dilma, no ano passado, a economista e socióloga Tânia Bacelar de Araújo, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), já anunciava que "aquele não era o voto da submissão, da desinformação ou da ignorância, mas o da auto-confiança recuperada, do reconhecimento do correto redirecionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados - alguns ainda insipientes e outros insuficientes". 

Suspeito que as oposições, lideradas pela mídia limpinha, em boa medida já compreenderam essa mensagem e devem voltar cada vez mais suas baterias de agressividade e contestações à política econômica do governo (ainda mais agora que Antonio Palocci, o queridinho dos mercados, se foi...). A tentativa de criar histeria coletiva por conta do "descontrole inflacionário" e de trazer de volta a loucura da remarcação de preços em cadeia dá um pouco do tom dessa postura, que, palpito, deverá ganhar contornos mais nítidos. Não por acaso, Dilma procurou dar respostas e escapar da crise política palocciana com o anúncio do programa "Brasil sem Miséria" - novamente, a economia que tenta alavancar desenvolvimento social.

Mais uma vez, e só para reforçar e fechar: a confortável situação econômica do Brasil, com evidentes ganhos sociais, ajuda a explicar muita coisa - incluindo a popularidade de Dilma.

Um comentário:

  1. Chico, só para constar: na Europa, onde a crise permanece forte, a mudança no quadro político tem a ver com a tentativa de buscar uma saída mais pragmática, não necessariamente ideológica; já nos EUA, como disse a The Economist na última edição, Obama pode perder exatamente porque não consegue reanimar a economia como se esperava. Portanto, o mantra dos ideólogos democratas - no caso, de James Carville - resiste.

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