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domingo, 7 de agosto de 2011

E A GLOBO, QUEM DIRIA, RENDEU-SE À BLOGOSFERA

Quem diria... a vênus platinada acusou o golpe, teve de render-se aos ventos dos novos tempos e apressou-se em dar resposta a um texto que nasceu, cresceu, multiplicou-se e ganhou corpo e repercussão... na blogosfera! Claro, sem ufanismos, alcances e audiências continuam a ser gritantemente distintos, sem termos de comparação, com vantagem ainda enorme para a TV Globo. Mas foi-se o tempo do monopólio da verdade - e a gigante ardilosa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro já não pode mais simplesmente ignorar o que se passa no andar de baixo, nesse mundinho virtual. 

Para resgatar a linha do tempo: na sexta-feira, 05 de agosto, no blog "O Escrevinhador", o jornalista Rodrigo Vianna, que conhece as entranhas do dito jornalismo global, publicou um texto que citava uma fonte anônima da Globo que dizia ser cada vez mais insuportável trabalhar na emissora, por conta dos desmandos e das pressões, e revelava ainda que a ordem era bater firme no novo ministro da Defesa, Celso Amorim, que a vênus não suporta, para criar clima de instabilidade nas esferas militares. 

Alertava Vianna: "o jornalista, com quem conversei há pouco por telefone, estava indignado: “é cada vez mais desanimador fazer jornalismo aqui”. Disse-me que a orientação é muito clara: os pauteiros devem buscar entrevistados – para o JN, Jornal da Globo e Bom dia Brasil – que comprovem a tese de que a escolha de Celso Amorim vai gerar “turbulência” no meio militar. Os repórteres já recebem a pauta assim, direcionada: o texto final das reportagens deve seguir essa linha. Não há escolha. Trata-se do velho jornalismo praticado na gestão de Ali Kamel: as “reportagens” devem comprovar as teses que partem da direção".

Pois eis que, coincidência, 24 horas depois da circulação do texto (que se tornou um dos assuntos mais comentados nas redes sociais), a Globo veio a público, na edição do Jornal Nacional deste sábado, 06 de agosto, para cantar em verso e prosa um documento que estabelece "os princípios editoriais que norteiam o trabalho das redações das Organizações Globo". A tal carta de intenções fala em "independência, isenção, correção, lealdade com a notícia e não sensacionalismo, garantia de contraponto" e reafirma que "para a Globo, não há assunto tabu"; faz questão também de reforçar o "espírito pluralista e apartidário". 

Logo na Introdução do documento, texto assinado pela santíssima trindade Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho diz que "com a consolidação da Era Digital, em que o indivíduo isolado tem facilmente acesso a uma audiência potencialmente ampla para divulgar o que quer que seja, nota-se certa confusão entre o que é ou não jornalismo, quem é ou não jornalista, como se deve ou não proceder quando se tem em mente produzir informação de qualidade". O apelo parece claro, não? Só faltou dar nome aos bois e implorar "por favor, não acreditem no que andam por aí escrevendo o senhor Rodrigo Vianna e seus asseclas".  Como escreveu o cineasta, jornalista e blogueiro Mauricio Caleiro no twitter, "declaração de princípios da Globo é vitória incontestável da blogosfera. Está na cara que é reação ao post do Rodrigo Vianna".

Aliás, agora que a Globo resolveu mesmo fazer jornalismo, poderia estabelecer um mea culpa público a respeito do apoio irrestrito dado à ditadura militar e repudiar as versões históricas levianas que ajudou a construir e consolidar, usando seus pressupostos críticos e cidadãos para destacar a importância da Comissão da Verdade, certo? E, já que não existem mais assuntos tabus, poderia veicular algumas reportagens a respeito das negociações que resultaram nas assinaturas de contratos com os clubes brasileiros para garantir transmissões do Campeonato Brasileiro, não é mesmo? E que tal produzir uma série especial dedicada exclusivamente a debater as falcatruas na CBF e na FIFA? Ajudaria a começar essa "nova era". 

Tudo discurso vazio, jogo de cena. Sim, porque a mesma edição do JN silenciou sobre pesquisa feita pelo Instituto Datafolha e divulgada neste sábado que mostra que a aprovação do governo da presidenta Dilma Rousseff continua elevadíssima (48% de ótimo e bom, 39% de regular e apenas 11% de ruim ou péssimo), mesmo depois das turbulências e recentes denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes. É, talvez tenha sido apenas um lapso... a Globo faz jornalismo "apartidário"...

Para além dos desvios jornalísticos globais, a mensagem que o episódio deixa é que a Globo não nada mais de braçada, não fala mais sozinha, não tem mais o poder que ousou acumular em décadas passadas. Entre 2000 e 2010, a audiência média do Jornal Nacional caiu mais de dez pontos percentuais (de 39,2% para 28,9%). Penso que um momento marcante recente e emblemático desse processo de decadência foi o episódio do "atentado com bolinha de papel" cometido contra José Serra na campanha presidencial do ano passado. A farsa tucana já tinha sido desmontada e desmentida na blogosfera. Mas, para tentar mantê-la, o Jornal Nacional usou cerca de nove minutos de uma de suas edições, recorrendo a depoimentos de "legistas especialistas". 

Ora, se a web fosse mesmo tão irrelevante, pouco importante, sem capacidade de irradiação e repercussão, sem impacto e condições de dialogar com a opinião pública de forma ampla, por que raios o telejornal de maior audiência da principal emissora do país precisaria ter usado quase dez minutos para contestar o que nas esferas virtuais se dizia? Por que gastar um tempo tão precioso e prestar atenção ao que inofensivos tuiteiros e blogueiros escreviam? Sinal evidente, me parece, de que havia algo de podre no reino do (superado) monopólio da verdade.

Para Antonio Lassance, cientista político e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a "velha mídia está derretendo". Exagero? Talvez. É certamente um processo complexo, longo, marcado por conflitos, idas e vindas, avanços e recuos. A Globo continua a ser extremamente poderosa, uma gigante da comunicação. Não vai deixar de sê-lo da noite para o dia, num passe de mágica. Por outro lado, parece evidente que já não é mais proprietária do samba de uma nota só. Há fraturas, diálogos e dissonâncias, contestações, resistências, outras versões - que em boa medida encontram-se na web (embora não residam apenas nela). 

Sim, a blogosfera conversa o tempo inteiro com os descaminhos vividos pelo ser humano, de forma mais geral, e com os desvios de rota do jornalismo, mais especificamente. Não é o paraíso dos puros - nem o inferno dos demônios. Não estará equivocado assim quem disser que a internet abriga aventureiros, oportunistas, pilantras, gente que faz pseudo-jornalismo, e até mesmo criminosos. Mas acertará na mosca quem bancar que é possível encontrar na web matérias sérias e responsáveis, textos jornalísticos que levam à reflexão e que cumprem o papel de estabelecer contraponto e de prestar serviço público. 

Na miscelânea chamada blogosfera, espaço democrático de contradições, há afinal bom exercício de jornalismo analítico sendo feito - que em alguns momentos, cada vez mais frequentes, consegue inclusive inverter a mão de direção. E pautar a agenda da velha mídia. Consegue incomodar a vênus platinada. Nessas horas, que falta faz o engenheiro Leonel Brizola...

sábado, 23 de julho de 2011

MORTES NA NORUEGA? NÃO. O JORNAL NACIONAL DESTACOU AMY.

O primeiro bloco do Jornal Nacional, o principal telejornal da emissora de maior audiência do país, foi todinho dedicado à morte da cantora inglesa Amy Winehouse. Foram dez minutos em horário nobre - só para começar. O repórter Marcos Losekann entrou ao vivo, de Londres, com informações sobre o andamento das investigações a respeito das possíveis causas da morte. Teve o tradicional e desgastado (mas performático) "fala povo", com os fãs nas ruas cantando e uma adolescente brasileira falando sobre o legado de Amy para a música e a falta que vai fazer. Houve ainda espaço para uma também participação ao vivo de Elaine Bast, de Nova Iorque, repercutindo o acontecimento. Na bancada, no estúdio, Marcio Gomes e Renata Vasconcellos receberam o produtor musical Nelson Motta, que lembrou o envolvimento da cantora com as drogas e destacou que se trata de "uma crônica da morte anunciada". Sem perder tempo, uma chamada para o Fantástico de amanhã, quando o espetáculo deverá ser ainda mais estarrecedor - uma das questões fundamentais que será discutida é a da "idade maldita", já que outros ícones da música pop, como Jimi Hendrix, Kurt Cobain, Jim Morrison e Janis Joplin também morreram aos 27 anos, assim como Amy.

Intervalo.

No segundo bloco, os ataques terroristas em Oslo, na Noruega, mereceram seis minutos de atenção do JN. Isso mesmo: quatro minutos menos que Amy (até aqui). E nenhum especialista na bancada, um cientista político ou analista de relações internacionais, para refletir sobre significados dos atentados. É verdade que o repórter Pedro Bassan trouxe informações ao vivo, da capital norueguesa, e Marcos Losekann, em matéria gravada, narrou os desdobramentos da investigação, a prisão do atirador (suspeita-se da participação de outros), que se auto-denomina um "cristão fundamentalista", já foi militante de partido de extrema direita e não aceita uma sociedade multicultural. Mas o assunto que, penso, segundo critérios jornalísticos (relevância, interesse público, universalidade, impacto), representa o fato do final de semana teve ainda de dividir as atenções do bloco com o sequestro do bebê em clínica privada do Rio de Janeiro e o GP da Alemanha de Fórmula 1, sem contar as chamadas do programa Esporte Espetacular de amanhã.      

Basta? Não. Vem o último bloco. Assunto único novamente: Amy Winehouse, em mais 12 longos minutos. Matéria resgata a biografia da cantora, com fotos de criança, os primeiros shows, envolvimento com drogas e álcool, relações complicadas de amor e de ódio com o público, a perseguição dos paparazzi, a presença e a carreira nos Estados Unidos, a passagem pelo Brasil, as brigas com o namorado. Nova entrada ao vivo de Nova Iorque - desta feita, foi Rodrigo Bocardi. Mais Marcos Losekann, ao vivo, de Londres. Mais Nelson Motta, na bancada do estúdio, com obviedades. Entrevistas com os fãs brasileiros, em Natal e em São Paulo, em luto. Até terminar com o maior sucesso da cantora (confesso minha ignorância - não sei o nome da música, mas esse é um problema meu).

Total: 22 minutos para Amy (metade da edição), seis minutos para o horror na Noruega. Detalhe: no twitter, o tema "Amy Winehouse" é o mais discutido no Brasil - e também mundialmente. Mortes na Noruega? O tópico não aparece na lista.

Talvez esteja mesmo na hora de rever meus conceitos jornalísticos. Pode ser que minhas concepções estejam ultrapassadas, que os fundamentos da profissão tenham mudado, que a comoção se justifique, que a cobertura tenha sido adequada, que eu não tenha alcançado a importância da cantora, que Amy merecesse mesmo 22 minutos do Jornal Nacional. Talvez. Talvez.

Mas, como bom dinossauro jornalístico que sou, confesso que minha sensação é que a histeria e o entretenimento venceram a informação. E sinto muito pelo pessimismo momentâneo, mas terminei de ver o JN concordando com o genial escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura e morto em junho do ano passado (teve edição especial para ele?), que dizia com muita serenidade e convicção que o ser humano é um projeto fracassado.