domingo, 2 de fevereiro de 2014
ROLEZINHO NA VILA. PARA VER O GOL DOZE MIL.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), precisa com urgência instalar uma base avançada de pesquisas na cidade de Santos, para estudar o aquecimento global. Porque, se é fato que as temperaturas médias do planeta estão subindo, o epicentro desse fenômeno, não tenho dúvidas, acontece na cidade litorânea que abriga o maior porto da América do Sul, terra natal do Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrade e Silva. Talvez Santos pudesse até servir como ambiente-piloto para experiências que pretendam garantir a preservação da espécie, preparar a humanidade para o que está por vir, nos ensinar o que precisaremos fazer para sobreviver em ambientes semi-infernais, de calor escaldante e implacável. Já passava das sete da noite – e a temperatura ultrapassava facilmente os quarenta graus. O suor escorria, o corpo ficava grudento, a camisa, encharcada. Vento? Nem brisa. Água, sorvete, mais água, rosto e cabeça molhados, outro sorvete, por favor. “Pai, não aguento mais...”. Nem eu. Imaginei por um instante poder virar a chavinha que controla as temperaturas – para uns vinte graus, quem sabe, já seria bem mais civilizado. Bom mesmo seria ter na Vila Belmiro a princesa Elsa, protagonista da animação ‘Frozen, uma aventura congelante’, em cartaz nos cinemas, senhora do frio a mover as mãos em malabarismos dançantes, transformando o estádio num fenomenal e agradabilíssimo castelo de gelo. Você quer brincar na neve? Já que não há H2O em estado sólido, vamos nos esbaldar com líquido mesmo. ‘Moça, por favor, aqui em cima. Mais três copos d’água, bem gelados’. Em campo, torcida brasileira, cortinas abertas para mais um espetáculo, a impressão é que o time do Santos havia estabelecido algum tipo de pacto diabólico com o calor. Quanto mais quente, melhor. Depois da categórica goleada sobre o Corinthians, o ritmo contra o Botafogo no início da partida foi frenético, alucinante. Aos dois minutos, uma estupenda enfiada de bola de Leandrinho, no meio da zaga, a lembrar os melhores dias inspirados da ave ingrata. Geuvânio entrou livre, cortou o goleiro e bateu seco de esquerda, na diagonal, para abrir o placar. Comemorou com duas cambalhotas, saltos mortais. Faltavam só mais três. Aos dez minutos, Cícero desperdiçou pênalti. No finalzinho do primeiro tempo, a conta caiu pela metade quando, em mais um contra-ataque mortal, Gabriel cruzou da esquerda, Arouca mergulhou, mas não alcançou de cabeça, e a redonda sobrou para Geuvânio. Foram dois toques, como manda o manual do bom futebol – um para matar a bola, outro para rolar o balão com açúcar e com afeto para Cícero fulminar e marcar o segundo. Faltavam dois. Intervalo. Os vendedores de água e sorvete continuavam fazendo a festa. Diminuiu o calor? Quem disse? Tomamos o gol logo no início do segundo tempo, quase sem querer, escanteio meio besta, falha de saída de Aranha. Tivemos ali uns dez minutos de certo desarranjo, talvez até que o time novamente percebesse que o calor continuava a castigar e voltasse a fazer girar o motor que empurrava os meninos da Vila. Energia solar acumulada. Funcionou. Um tapa de primeira de Geuvânio – para mim, o melhor em campo -, furada do zagueiro do Botafogo e biquinho de esquerda de Gabriel, no melhor estilo Ronaldo contra a Turquia na Copa de 2002. Três a zero Santos. Um só. Unzinho. Nas arquibancadas, começamos a gritar ‘mais um’. Havia tempo de sobra. E quis o deus dos calores dos infernos que não demorasse muito. Foram só dois toques na bola. Aranha estourou para a frente, a bola veio caindo quase na linha da área do Botafogo. Gabriel não tirou os olhos dela, acompanhou toda a trajetória, ganhou no corpo do zagueiro, esperou a pelota pingar três vezes e emendou de primeira para o fundo das redes. Doze mil gols na história! O time de futebol que mais marcou! Nenhum outro tem essa marca! Foi bonita a festa, pá! Fiquei contente... Nada mais justo que o tento tivesse sido anotado por um dos nossos tantos meninos! Abraços e beijos nos filhos, no sobrinho, no irmão camarada de tantos jogos. “Nós vimos!”. Lembrei na hora do meu avô, que também tanto sofria com o calor do Saara de Santos, mandei um beijo para ele, recebido imediatamente em outras dimensões. Estávamos juntos na mesma Vila em 1988, quando o Tuíco, legítimo representante dos anos das vacas magras, marcou o gol nove mil do Peixe, num empate (1x1) contra a Portuguesa. De volta para o presente. No caldeirão (e nunca o apelido carinhoso fez tanto sentido) da Vila, até o último fio de nossos cabelos estava molhado (e, vamos combinar, cabelos fartos não são mais o meu forte). Experimente pular cinco minutos em Santos, com quarentinha nos termômetros. Definitivamente, não é para os fracos. A torcida gritou “é doze mil”! E ainda deu tempo para, no finalzinho, marcar o quinto e já começar a caminhada em direção aos treze mil – Emerson Palmieri marcou, depois de bela jogada de linda de fundo do estreante Rildo. Placar final – 5 x 1. De novo? Cincomuito. Tenho medo de ficar mal acostumado. Na volta para São Paulo, viemos ouvindo a narração dos gols, comemorando e comentando. Com o ar condicionado ligado no máximo.
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