quinta-feira, 14 de novembro de 2013

APLAUSOS PARA O BOM SENSO FUTEBOL CLUBE



Reconheço que, quando o movimento deu o ar da graça, torci o nariz e não dei muita bola. Comportamento de torcedor chato mesmo. Achei que fosse fogo de palha, tabelinha rápida e improdutiva, firula sem foco ou objetividade, a jogar para as arquibancadas, sem possibilidade de resultados concretos. Mas as reuniões, as trocas de mensagens, o planejamento, os textos divulgados, as faixas, as declarações e entrevistas, a articulação por meio do "whatsapp" e, sobretudo, os gestos e as manifestações coordenadas e escancaradas em campo me conquistaram. Faço mea culpa - e me rendo. Os boleiros me convenceram. Há algo de interessante e relevante no reino do futebol brasileiro. Chama-se Bom Senso Futebol Clube.

O que aconteceu no início das partidas da rodada deste meio de semana no Campeonato Brasileiro tem uma força simbólica política extraordinária - a mensagem que os jogadores estão enviando aos que se imaginam donos absolutos do futebol nacional é "temos clareza e convicção de nossas justas reivindicações e não aceitaremos ser mais enrolados por promessas ou falas vazias que apenas pretendem ganhar tempo, empurrar o problema com a barriga para aguardar a discussão arrefecer e sair da agenda pública". Ousaram questionar publicamente, de forma criativa e inteligente, os autoritários e arrogantes dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol. 

Foi de beleza extraordinária, emocionante mesmo, observar, ao vivo, os jogadores de Flamengo e São Paulo solenemente ignorarem as ameaças feitas pelo árbitro da partida (a ordem da CBF era dar cartão amarelo para todos os rebeldes) e ficarem trocando chutões, de uma metade do campo para outra, sem sair do lugar, durante o primeiro minuto do jogo. Foi bonito também depois acompanhar e ter notícias que confirmavam que os protestos aconteceram em todas as outras partidas, com atletas de braços cruzados se recusando a tocar na bola, já com as pelejas em andamento, até que o primeiro minuto se completasse. Antes, os times já haviam entrado em campo carregando faixas que diziam "Por um futebol melhor para todos" e "Amigos da CBF, cadê o bom senso?". A cobrança teve endereço certo, preciso. Foi entendida.

Não surpreende, aliás, a bravata truculenta e a sugestão de punição feita pela CBF, entidade presidida por alguém que conheceu as entranhas da ditadura civil-militar instalada no Brasil em 1964, por meio de golpe que derrubou presidente da República democraticamente eleito pelo povo. Também não é exatamente novidade o malabarismo de discurso feito por narradores da vênus platinada, a emissora dona dos direitos de transmissão do Brasileiro, que talvez tenha orientado seus profissionais a falar de flores, do calor, do aquecimento global e de qualquer outro assunto que permitisse escapar de explicações ou de comentários específicos sobre os protestos que aconteciam em campo, diante dos olhos atentos da sociedade. 

Como se fôssemos todos tolinhos, desinformados. Como se não soubéssemos o que estava a acontecer na rodada. Pois vale lembrar, apenas para registrar, que foi essa mesma Globo quem, depois de ter explicitamente apoiado a assassina ditadura brasileira, tentou manipular informações para esconder da população as primeiras manifestações e comícios que, no final de 1983 e início de 1984, tomaram as ruas e praças do país para exigir a volta do direito de votar para Presidente. Para a Globo, o primeiro comício das Diretas Já na cidade de São Paulo, na Praça da Sé, teria sido apenas "evento de comemoração do aniversário da cidade". É a história. Está documentado. 

A CBF já deveria ter aprendido que violência só faz crescer e amplificar estranhamentos e insatisfações. E, lamento, TV Globo, mas achar que é possível continuar fingindo que nada está acontecendo e que tudo caminha como dantes e às mil maravilhas nos gramados nacionais e nas novas arenas FIFA é de uma estupidez inconsequente, ainda mais em tempos de redes sociais. Também só ajuda a aumentar indignações, reforça articulações e cimenta consensos - e bons sensos. Os boleiros parecem finalmente ter se dado conta de que são os protagonistas dessa festa. Sem eles, não há espetáculo. Não há campeonatos. Não há transmissões. Não há audiências.

O que o Bom Senso Futebol Clube reivindica é o óbvio ululante, como escreveria mestre Nelson Rodrigues: calendário mais sensato e inteligente, redução do número de partidas por ano para os times de elite e jogos durante todo o ano para equipes menores, férias de trinta dias ininterruptos entre dezembro e janeiro, pré-temporadas mais extensas, punições para clubes que não pagam salários, além de participação nos conselhos técnicos que discutem as competições. Agenda revolucionária? Até se pode afirmar que sim, se considerarmos as medievais relações e condições de trabalho, quase senhor feudal-servos, que pautam o universo do nosso futebol. 

No limite, no entanto, os boleiros estão apenas exigindo que essas relações sejam civilizadas. Para quem acha que é bobagem o que cobram nossos jogadores, sugiro reflexões sobre caso específico, o do Atlético Paranaense nesta temporada de 2013. O time de Curitiba chega ao final do ano disputando o título da Copa do Brasil e ocupando a vice-liderança do Brasileirão. Por quê? Graças a um planejamento eficiente e a uma opção corajosa, abriu mão do campeonato estadual, disputado com time B, de garotos, e aproveitou os primeiros meses do ano para treinar e preparar a equipe principal para as disputas do segundo semestre. Pois então.

Em seu Blog, Juca Kfouri, entusiasta desde o primeiro momento do Bom Senso Futebol Clube, escreveu que "com faixas pedindo um futebol melhor para todos, de braços cruzados com a bola em jogo ou trocando-a com o rival amistosamente, os jogadores deram mais um recado para a CBF não se fazer de boba nem de surda porque, de braço cruzado em braço cruzado, eles são bem capazes de resolver descansar os pés ainda antes de o Brasileirão terminar". Firmes em seus propósitos, os boleiros não parecem mesmo dispostos a recuar. 

Se não forem atendidos, se a CBF continuar com essa conversinha mole de "estamos estudando, estamos trabalhando", os atletas prometem, nas próximas rodadas, dois minutos de braços cruzados, três minutos de bicões trocados entre as equipes, até... 

Seria ótimo, não nego, que num desses movimentos, de surpresa, sem fazer alarde, pudessem também cutucar com vara curta a toda-poderosa Globo, que é verdadeiramente quem define o calendário do futebol brasileiro. Uma faixa, alguns gestos... Quem sabe.

Um comentário:

  1. Chico... a faixa com o "Amigos da CBF" não foi destinada para a Globo? Ou ao "Bem Amigos"? Achei que foi uma ótima sacada.

    ResponderExcluir