terça-feira, 20 de novembro de 2012

E VIVA A DEMOCRACIA RACIAL BRASILEIRA!

Foto: O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.
Respeito não tem cor nem raça. Respeito tem consciência.
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Boteco agitado em feriado paulistano ensolarado, com pancadas esporádicas e bem rápidas de chuva, sugerindo arco-íris no horizonte. Copos cheios ao alto.

- Um brinde ao grande Zumbi, que ao menos serviu para nos garantir essa terça-feira de merecido descanso e chopp gelado!, bradou um dos cinco amigos, na cabeceira da mesa.

Pausa de alguns segundos, para que todos pudessem estalar e virar os copos, em goles ávidos e sincronizados. Foi quando o rapaz que tinha puxado o brinde quebrou novamente o silêncio.

- Agora, pensando bem, e falando sério, acho injusto prá cacete ter um dia específico para comemorar os negros, uma data só para eles. OK, nada contra eles, mas por que esse privilégio?

- É porque todos os outros 364 dias são nossos, meu caro, dos brancos. Estamos em vantagem, sempre - respondeu sorrindo um segundo jovem, sem tirar os olhos de mensagens e e-mails que chegavam pelo celular.

Um terceiro rapaz fez sinal com os dedos para o garçom, pedindo mais uma rodada de chopp. E entrou na conversa.

- Não sou racista, cara, não tenho nada contra os negros, vejam bem, até tenho dois conhecidos que são meio escurinhos, são até legais, mas acho mesmo uma babaquice essa história de reverenciar consciência negra. Meu, a escravidão já acabou faz tempo, e o Brasil sempre foi muito generoso com todas as raças. O mundo inteiro reconhece isso. Somos uma democracia racial, como ensinou um professor meu no cursinho. É só comparar com o que aconteceu na África, como se chamava mesmo aquele regime? Isso, cara, apartheid. Ali sim houve racismo. Aqui, é tudo tranquilo, vivemos todos juntos e misturados, sem encrencas.

Um quarto rapaz, que até então estava mais preocupado em lançar olhares para lá de interessados e sedutores para as meninas da mesa ao lado, interrompeu momentaneamente o flerte para entrar no papo.

- Pois é, babaquice mesmo. Também não sou racista, minha família não é racista. Aprendemos a respeitar os negros. Lá em casa, a gente trata muito bem nossa empregada, uma negona gorda que é super atrapalhada, mas a gente releva, coitada. É meio lesada. Mas nunca atrasamos salário. Ela come do bom e do melhor, praticamente de graça.

- E o pior, mano, é que nem sempre elas levam tudo isso que fazemos em consideração. Uma negrinha abusada que trabalhou lá em casa e que até o filho dela levava para brincar com a gente saiu falando um monte e ainda colocou meu pai no pau, nessa maldita Justiça do Trabalho. Uma ingrata de marca maior. Traíra, véio! É isso. Não tem jeito, também não sou racista, longe de mim querer falar mal ou ser melhor que os outros, não é preconceito,  é fato. É o ditado popular quem diz: negro, quando não caga na entrada, esparrama merda na saída - sentenciou finalmente o quinto jovem, dando sua contribuição e fechando a primeira rodada do debate.

A conversa foi interrompida pela chegada de belíssimas porções de pasteizinhos e de calabresa acebolada, que foram imediatamente atacadas pelo grupo. Já eram quatro da tarde, tinham chegado ao boteco direto do futebol, sem almoçar. Deu tempo ainda de chamar mais uma rodada de chopp - o garçom entendeu prontamente o simples chacoalhar de cabeça e o copo mostrado por um deles. O que havia começado a conversa achou por bem esticar o assunto.

- Sabem o que me irrita mais? Essa porcaria de ditadura do politicamente correto. Cacete, agora não posso mais falar mal dos negros, mesmo quando tenho razão, não posso mais manifestar minha opinião? Tudo é racismo! Nem piada mais com negro a gente pode fazer! E a liberdade de expressão, cara, garantida pela Constituição? Como fica?

- Já que você tocou no assunto, vou falar mais um pouco - completou o colega que àquela altura já trocava mensagens por celular com uma das meninas ao lado. - Sinto muito, não é mesmo questão de ser racista, mas eu acho mesmo que os negros são mais violentos e preguiçosos. É só olhar os julgamentos, as prisões, os crimes cometidos nas periferias. Quem são os envolvidos? Negros, na maioria das vezes. Eu não penso duas vezes: na madruga, na volta da balada, se enxergar um negro com cara de suspeito, atravesso a rua a acelero o passo. Dane-se. Questão de segurança, véio! E se eles tivessem mesmo competência, estariam nas melhores escolas, universidades, em posições de destaque nas empresas. Porque quem tem competência se estabelece. É só ver o Pelé, agora o Joaquim Barbosa. Diz aí, vocês conhecem algum bom médico negro? Algum outro advogado de renome? Um engenheiro ilustre? Pois então...

Foi a deixa para que aquele que tinha a família processada pela ex-empregada voltasse à arena.

- E aí inventam essa porcaria das cotas, que funcionam como privilégio, né, cara? Porque, porra, o sujeito que não é de cor estuda, se esfola, paga, faz cursinho, consegue boas notas, mas no final quem entra na faculdade pública é aquele neguinho da perifa, protegido pelas cotas, e que vai inclusive derrubar a qualidade de ensino na faculdade? Caraca, mérito é mérito, mano! Não está certo isso aí não! Precisa rever essa parada. É justo tirar vaga de quem estuda?

Quando os quatro olharam, o Don Juan do grupo, ligeiramente embriagado, já fazia menção de se levantar para tomar assento na mesa das bonitonas ao lado. Antes, porém, anunciou:

- Meus caros, o papo está bom, mas está muito cabeça. Que Zumbi nos perdoe, mas não viemos aqui para passar a tarde inteira falando de negros e de racismo, né, galera? Até porque, já concordamos, não somos racistas, ninguém aqui é racista. Ponto final. Portanto, meu amigo Bola Sete, mais chopp aqui para o pessoal - gritou, chamando o garçom, negro, no que foi imediatamente atendido. E completou: 

- Um brinde ao Brasil, o país de todas as raças! Vamos ao que interessa!

Sem perder mais tempo, pulou finalmente para a mesa ao lado, já trocando sorrisos e afagos com a loira de lindos olhos azuis. 

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